O
caso da central nuclear de Almaraz é outra face da mesma moeda onde se encontra
também a exploração de petróleo e gás em vários locais do nosso país,
especialmente no Algarve. E essa moeda constitui a defesa do ambiente e, em
última instância, a sobrevivência da espécie humana.
Os
mais velhos lembram-se ainda das tentativas de há umas décadas atrás, no
sentido de se enveredar pelo nuclear como forma de suprir as nossas necessidades
de energia. Felizmente, uma forte mobilização popular desfez essas intenções ao
ponto de não mais se vir a falar em tal. Por este lado, a população portuguesa
poderá estar relativamente descansada porque, entre nós, se está a enveredar
por formas de produção da chamada energia limpa e porque o nuclear parece ter
entrado em declínio como se pode constatar pela intenção de vários países procederem
ao desmantelamento das suas centrais.
Curiosamente,
em Portugal não temos nuclear mas temos esse perigo instalado junto da nossa
fronteira, do lado de Espanha. Sabe-se que a central nuclear de Almaraz já
expirou o seu período de vida inicialmente previsto e o caminho a seguir pelo
governo espanhol deveria ser a sua progressiva desactivação. Só que não são
essas as intenções que sentimos do outro lado da fronteira onde dois reactores “têm
acumulado incidentes nos últimos anos” e, quer se queira quer não, tudo o “que
se passe na central afectará Portugal” como podemos ler no seguinte artigo de
opinião que Lurdes Ferreira assina no Público de hoje.
O
Governo espanhol aprovou recentemente a construção de um aterro nuclear em
Almaraz, que permite prolongar a actividade da central até aos 40 anos de vida,
ou seja, mais 10 do que o previsto pela primeira extensão, sem ter realizado um
estudo de impacte ambiental transfronteiriço. No total, serão mais duas
décadas. Estão em causa dois reactores que têm acumulado incidentes nos últimos
anos. E o que quer que se passe na central afectará Portugal.
Os
ambientalistas, com alguma movimentação popular também, têm protestado contra o
plano e procurado, desde o início, que o Governo português dê atenção ao caso. Este
afirmou-se agora surpreendido.
É
a segunda vez que Espanha tenta enterrar resíduos radioactivos junto à
fronteira portuguesa. A primeira, em 1987, procurava instalar uma lixeira de
resíduos nucleares em Aldeadavila, perto da região de Bragança, como o PÚBLICO
lembrava este sábado. Não passou por pressão de Lisboa, dos
protestos ambientalistas, das populações dos dois lados da fronteira e de
Bruxelas. E a isso devemos o rio Douro que temos hoje, livre do risco de
contaminações e das suas consequências.
Trinta
anos passados, voltamos à mesma questão como se nada tivesse acontecido, como
se a multiplicação e densificação das leis europeias ao longo deste período,
que nos regem em tanta coisa, especialmente em matéria ambiental, nada tivessem
conseguido.
Um
olhar realista dirá que as coisas mudaram, sim, mas com riscos acrescidos.
O
que Espanha planeia insere-se numa tendência de alguns países de estender a
vida das suas centrais nucleares ou por dependência industrial, como a França,
ou por uma monitorização mais politizada e vulnerável ao interesse da
indústria, como é o caso de Espanha. Exclui-se quem está em trânsito para uma
revolução energética, como a Alemanha, que vai desligar todas as suas centrais
nucleares até 2022, ou a Suíça (dois países conhecidos por um maior rigor do
controlo de segurança nuclear), ou quem não tem centrais e sempre se manifestou
contra, como Portugal (a pequena dimensão do mercado português é também um
desincentivo de partida para este negócio).
Do
ponto de vista ambiental e de segurança, é difícil convencer a opinião pública
de que se trata de uma opção segura quando se vêem as falhas sucessivas das
centrais. Almaraz tem acumulado incidentes, um dos mais recentes classificado
para categoria 1; os franceses tinham no final do ano passado 21 dos seus 58
reactores parados para manutenção ou testes devido a potencial material
defeituoso, o que os obrigou a importar energia também de Portugal e Espanha.
Muitas destas centrais foram construídas em zonas fronteiriças ou de periferia,
à procura de pouca população e muita água, portanto com menor expressão pública
e de maior dependência económico-social também. É o caso de Almaraz.
Do
ponto de vista económico tudo aconselha ao prolongamento de vida dos reactores.
São investimentos já amortizados e dão aos seus operadores a possibilidade de
serem agora um rendimento puro, mas, antes de mais, o seu encerramento implica
uma operação de desmantelamento e limpeza com custos que são o pesadelo
escondido deste negócio.
O
acordo recentemente alcançado na Alemanha entre as eléctricas e o Governo para
tirar o nuclear do mapa energético do país destina-lhes uma factura superior a
23 mil milhões de euros mas deixa de fora um valor sete vezes superior que terá
de ser suportado pela sociedade em geral, segundo as estimativas dos peritos. O
valor total estimado é de 178 mil milhões de euros e os alemães comprometem-se
ainda a não exportar o seu lixo nuclear.
Entre centrais envelhecidas e
menos seguras e soluções económicas tentadoras, que possibilidades tem Portugal
de travar o projecto espanhol? Há 30 anos, a Europa e o mundo abriam as
fronteiras - não eram tentados a fechá-las e a serem surdos em relação aos
vizinhos. Agora, muito depende da capacidade de liderança que Portugal tiver e
de provar que o nuclear também é terreno para a "geringonça". Cá
dentro e lá fora.
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