Tomando
como ponto de partida a reposição pela RTP do célebre debate entre Mário Soares
e Álvaro Cunhal a deputada bloquista Joana Mortágua (JM) escreve hoje no Público
um artigo de opinião subordinado a um tema há muito esquecido e que faz imensa
falta, o debate político composto de “grandes argumentos que apuram maiorias
sobre visões de sociedade”. Na realidade vivemos agora “numa democracia
enclausurada” onde tudo já foi previamente decidido, longe de nós e à revelia
da vontade dos cidadãos livremente expressa. Como muito bem conclui JM a
política “foi entregue” mas temos de a resgatar.
Na semana passada a RTP repôs o debate
entre Mário Soares e Álvaro Cunhal, o tal que tornaria famoso o “olhe que não”
do dirigente comunista. As acusações inflamadas sobre o regresso ao fascismo ou
a implantação de uma ditadura soviética eram fruta da época em vésperas do 25
de novembro, em plena constituinte e no início do último dos Governos
provisórios.
Quarenta e dois anos depois, e sem
qualquer outra referência histórica, aquele debate não esclareceria o
espectador mais atento sobre VI Governo provisório, quem o compôs e dirigiu, e
muito menos permitiria esmiuçar as medidas que tomou, fossem elas merecedoras
do elogio de Soares ou da crítica de Cunhal.
Este artigo não fala das escolhas de
1975 nem dos seus protagonistas. Este artigo não é sobre Mário Soares ou Álvaro
Cunhal, é sobre como o primeiro debate alguma vez transmitido na televisão
portuguesa pode surgir hoje como provocação histórica à política do nosso
tempo, para nos recordar que o debate político já foi feito dos grandes
argumentos que apuram maiorias sobre visões de sociedade.
Em três horas de debate Soares e Cunhal
não compararam um único número. Ao assistir, o eleitor de 2017 ficaria, além de
espantado, pouco elucidado sobre a contabilidade pública de 1975, mas ficaria a
saber muito sobre o confronto ideológico que marcou a segunda metade do século
XX e os caminhos do pós-revolução.
É verdade que o mundo mudou e que nem
todos os debates têm de ter o valor de um confronto entre Soares e Cunhal em
plena crise revolucionária. Mas olhemos para a nossa realidade: quantos se
atrevem a entrar num debate sem um curso rápido de economia e finanças? Claro
que esses conhecimentos são importantes mas quando os absolutizamos ficamos
perante uma versão diminuída da política.
O debate político reduziu-se a uma lista
de argumentos “tecnicamente aceitáveis” perante a imposição ideológica que nos
enfia verdades incontestáveis pela goela abaixo: o défice, a dívida, as regras
do euro, dos mercados financeiros e da Europa. É um debate fechado nas opções
político-ideológicas e por isso centrado em argumentos técnicos que excluem a
compreensão e, consequentemente, a participação da maioria dos cidadãos.
Quando é que nos demos ao luxo de deixar
de debater projetos de sociedade? Quando é que consentimos numa democracia
enclausurada nas opções técnicas porque o que interessa foi decidido por
alguém? Não, este debate não é sobre as escolhas de 1975, é sobre a política
como poder de escolha.
A política não morreu, foi entregue. Com
tudo o que está acontecer na Europa, a nossa única esperança é resgatá-la.
Sem comentários:
Enviar um comentário