Apresentamos
a seguir um artigo de opinião assinado pelo Deputado do Bloco de Esquerda pelo
Algarve, João Vasconcelos, originalmente escrito para o blog A Contradição.
A falácia do plano de implementação da
Estratégia Global da União Europeia em matéria de Segurança e Defesa
A Estratégia Global para a Política
Externa e de Segurança da União Europeia foi apresentada pela Alta
Representante para a Política Externa e de Segurança, Federica Mogherini, por
altura da Cimeira de Bruxelas, no dia 28 de junho de 2016. Este novo documento
estratégico da EU foi concebido para nortear a Política Externa e de Segurança
Comum (PESC) e a Política de Segurança e Defesa (PCSD), em substituição da
Estratégia Europeia de Segurança, de 2003, e do Relatório sobre a Implementação
da Estratégia Europeia de Segurança, de 2008.
Não deixa de ser estranho como um
documento de tal importância e envergadura não tenha surgido mais cedo, tendo
em conta as novas realidades em matéria de segurança na Europa, como os
acontecimentos na Ucrânia, na Crimeia, os atentados terroristas na Europa e,
até, as vagas de refugiados que têm demandado solo europeu.
Por outro lado, a “Estratégia Global” da
EU é um documento surrealista e desfasado da realidade. Vê-se assim como vai a
“construção” da Europa. No dia em que o referido documento foi apresentado já
não se enquadrava do quadro real dos acontecimentos ocorridos, nomeadamente na
Europa. Foi o caso do Brexit, que teve lugar no dia 24 de junho,
precisamente quatro dias antes da apresentação da “Estratégia Global”. Face aos
resultados do referendo britânico que ditaram a saída do Reino Unido da União
Europeia, não houve qualquer preocupação em alterar o documento, ou alterar a
data da sua apresentação. E o que se constata, é que o documento foi elaborado
esperando o “não” do Brexit.
Com efeito, lendo o documento da
“Estratégia Global” verifica-se que existe o receio de ferir as
suscetibilidades do Reino Unido em matéria de segurança e defesa. Por exemplo,
ali se encontra plasmado a complementaridade entre a UE e a NATO, esta como “a
mais forte e eficaz aliança militar do mundo”. E a União Europeia é apresentada
como uma entidade promissora da segurança global, quando esta mesma UE se
confronta com a saída de uma grande potência em termos militares e políticos. É
preciso não esquecer o peso da Grã-Bretanha no seio da UE e da NATO, o seu
papel durante a “guerra fria”, etc.
A saída do reino Unido da PESC e da PCSD
irá levar a uma afirmação e a uma concorrência na política de segurança e
defesa na Europa entre a França e a Alemanha. E a apresentação extemporânea da
“Estratégia Global” poderá corporizar aquilo a que alguns chamam um sentimento
de “enfim seuls”.
Um outro aspeto surrealista e caricato do
documento é quando se afirma que a “Estratégia Global” se destina a uma Europa
a viver “um melhor dos mundos”, num tempo de paz, de segurança e de
prosperidade, quando se sabe que isto não corresponde à realidade. São palavras
bonitas aquelas que se encontram ao longo de todo o documento, como “paz e
segurança”, “prosperidade”, “democracia”, “unidade”, “responsabilidade”, “paz
preventiva”, “políticas de migração mais eficazes”, ou “economia política de
paz”.
É preciso que se diga que a União Europeia
está desacreditada e profundamente dividida. As políticas fundamentalistas que
tem desenvolvido muito tem contribuído para essas divisões, para o
recrudescimento do extremismo de direita, para as políticas racistas e de ódio
aos imigrantes.
Uma União Europeia que procura falar
bonito, mas que continua a apostar numa NATO cada vez mais militarista e
intervencionista, certamente não será uma Europa de paz. Os bombardeamentos e
intervenções na antiga Jugoslávia, Afeganistão e Líbia, que conduziu a inúmeras
tragédias, não resolveu os problemas e incrementou os fenómenos do terrorismo e
da guerra à escala global.
Sobre os refugiados a UE tem tido um
comportamento inaceitável e vergonhoso, vendo em cada refugiado um potencial
terrorista. Os refugiados, incluindo crianças, têm sido recebidos em solo
europeu com arame farpado, canhões de água, balas de borracha e colocados em
campos de concentração. São cenas terríveis que fazem lembrar os tempos da II
Guerra Mundial. A “Fortaleza-Europa” que os seus dirigentes pretendem construir
também tem condenado à morte milhares de outros refugidos que se afogam
tragicamente nas águas do Mediterrâneo. Sobre o acordo que a UE assinou com a
Turquia, relativamente aos refugiados, constitui uma nódoa negra e uma afronta
aos direitos humanos. Em matéria de refugiados/migrantes a EU tem cometido uma
série de erros e a política de imigração precisa de ser alterada de forma
radical.
Quanto à Turquia, a “Estratégia Global”
passa uma esponja sobre diversos aspetos deste país, nomeadamente, omitindo o
apoio que os turcos têm fornecido ao “Daesh” e os bombardeamentos sobre as
forças curdas que têm precisamente combatido os terroristas deste grupo
extremista islâmico. Em vez de se condenar a Turquia, o documento aponta no
sentido do reforço setorial com este país, e ao mesmo tempo, “procurará
consolidar a democracia turca…”. Nada soa a mais falso, quando já na altura,
ainda antes do falhado golpe de Estado, já o populista Erdogan se encontrava
uma deriva autoritária e repressiva. A “Estratégia Global” não só omite estes
factos, como ainda estende a mão a Erdogan.
Finalmente, a “Estratégia Global” faz a
defesa e a apologia de um “Atlântico mais coeso” através da conclusão dos
tratados TTIP e CETA, com os E. U. A. e com o Canadá, que só irão criar mais
dificuldades aos países e aos povos da Europa. Estes tratados só irão contribuir
para mais desregulação, mais divisões no seio da UE, com graves reflexos nas
políticas de segurança e de defesa.
Observação: Estas notas foram defendidas,
em nome do Bloco de Esquerda, na “Audição conjunta aos Ministros dos Negócios
Estrangeiros e da Defesa Nacional, que ocorreu na Assembleia da República, no
passado dia 5 de dezembro de 2016.
João Vasconcelos
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