Cada
vez é mais evidente que a democracia é uma espécie de empecilho para a tomada
de decisões de certos governos de países onde o regime democrático vigora,
relativamente a outros em que a ditadura é a designação mais apropriada para o
regime vigente. Há muitos exemplos por esse mundo mas um daqueles que se coloca
com maior acuidade para os europeus é o que actualmente detém o poder na Turquia.
Na realidade, o Governo deste país tem todos os traços de uma ditadura como
demonstram todos os dias as notícias que nos chegam ainda que com algum filtro por
parte dos principais meios de comunicação social.
Em
relação ao Governo turco a designação mais adequada será a de “regime de
Erdogan”.
Na
realidade, a Europa, não sendo capaz de lidar com a situação dos refugiados que
chegam às suas fronteiras, fugidos de guerras em que os governos europeus são
particularmente culpados, entregou o trabalho sujo da contenção de milhares de
pessoas ao protoditador Erdogan, a troco de milhares de milhões de euros e de
um fechar de olhos a toda a espécie de atropelos à liberdade que actualmente se
verificam na Turquia.
O
texto seguinte é um artigo de opinião transcrito do Público de ontem e assinado
por duas personalidades com créditos firmados no tema em consideração (*).
Em Março de 2016, Merkel e Erdogan
chegaram a um acordo sobre os refugiados, que iria implicar toda a Europa. Este
acordo, ainda em vigor, estipula que a Turquia deve reter os refugiados em
troca de milhares de milhões de euros pagos anualmente pela Europa.
Vamos clarificar: este acordo é inútil.
Erdogan aproveita-se dele para fugir às pressões feitas pela Europa enquanto
implementa um regime autoritário e alimenta o nacionalismo na Europa.
Por estas razões deve ser terminado.
Desde Março de 2016, a Europa aumentou
consideravelmente os meios de controlo das suas fronteiras. A União Europeia
criou a Agência Europeia da Guarda de Fronteiras e Costeira em 2016, com vista
a coordenar melhor e reforçar o controlo das suas fronteiras externas.
Hoje, quer queiramos uma política
mais aberta ou mais restritiva quanto à recepção de migrantes, a Europa depende
muito pouco de Estados terceiros para implementar e ver respeitadas as escolhas
políticas e vai depender ainda menos no futuro próximo.
Não é nem a Alemanha nem a Europa que
precisam que Erdogan impeça os refugiados de entrar na Europa. Erdogan é que
precisa dos refugiados, instalados no sudeste da Turquia, para a sua política
de opressão contra o movimento nacional curdo.
A presença dos refugiados no sudeste da
Turquia permite exercer pressão económica no movimento curdo. O seu trabalho
ilegal representa uma competição indirecta aos trabalhadores da região. Além
disso, os municípios curdos são os que mais têm de financiar os campos de
refugiados. A sua presença nesta região vai provocar uma mudança do equilíbrio
de poder político e eleitoral do movimento curdo a favor do Partido da Justiça
e Desenvolvimento (AKP).
Quando tiverem acesso a cidadania e
consequentemente direito a voto graças ao AKP, a população sunita com os seus
valores conservadores irá sem dúvida alguma apoiar fortemente este partido.
É impossível comparar acolher indivíduos
que estão a fugir de guerra e morte a crimes em massa. Contudo, a chegada e a
consequente instalação de refugiados no sudeste do país por parte de islamistas
do AKP é a continuação da tradição fatal do nacionalismo turco.
Além disso, este acordo de refugiados
entre a Turquia, a Alemanha e a Europa permite que Erdogan chantageie europeus
e que ponha em prática mais estruturas de poder autoritário, sem ter medo de
pressões ou sanções.
A repressão contra todos os que lutam
para promover os direitos humanos e a democracia está a aumentar. Ainda assim,
as pressões da Europa são mínimas e as muitas ameaças de sanções não passam
disso, ameaças.
E, enquanto os europeus ficam calados e
não criticam o rumo autoritário de Erdogan, por medo de prejudicar o acordo de
refugiados, o presidente turco implementa o seu projecto autoritário.
Censurando as acções de Estado, em especial do exército, no sudeste da Turquia.
As democracias europeias, das quais a
Alemanha se encontra na linha da frente, demonstram incompreensão relativamente
ao que pode muito bem ser um regime ditatorial à sua porta. Isto contribui para
a atracção exercida por regimes autoritários para o detrimento de sistemas
democráticos e consequentemente incentiva o nacionalismo na Europa.
Este acordo é um sinal da falta de
soberania dos europeus que são incapazes de justificar as suas políticas sem a
ajuda de países como a Turquia. Este é um elemento-chave no discurso
nacionalista e antieuropeu que apenas é reforçado pelo apoio deste acordo.
Assim podemos ver como a aliança entre o nacionalismo (nacionalismo
representado pelo AKP e o nacionalismo europeu) e o islamismo se fortalecem mutuamente.
Por este motivo, o acordo com a Turquia
tem de ser parado.
Esta abolição deve ser acompanhada de
pressões europeias para pôr fim à perseguição daqueles que lutam por uma
democracia e pelos direitos humanos na Turquia. Os democratas exigem sanções
para o seu próprio país e a continuação da negociação com a UE de forma a
evitar que a Turquia entre numa ditadura. Vamos ouvir e apoiar as suas
exigências.
A Alemanha, que teve um papel
determinante na negociação e conclusão do acordo de refugiados, acarreta também
uma responsabilidade histórica na luta contra o autoritarismo e na promoção de
democracia. E deve, portanto, tomar uma posição de liderança e acabar com este
acordo. É por isso que pedimos a todos os cidadãos e partidos políticos da
Alemanha que se manifestem nesta direcção.
Em causa está a liberdade e a vida de
dezenas de milhares de democratas na Turquia. Estamos a falar do futuro da
democracia, tanto lá como aqui.
(*) Benjamin
Abtan (Presidente do Movimento Anti-racista Europeu – EGAM) e Beat Klarsfeld
(Embaixador Honorário da UNESCO)
Sem comentários:
Enviar um comentário