Quando
se fala em ordenamento florestal, um nome incontornável é o do Arquitecto
Paisagista Fernando Santos Pessoa (FSP), ex-administrador florestal, fundador e
1º Presidente do SNRPP (Serviço Nacional de Parques, Reservas e património
Paisagístico). Por isso mesmo, todas as suas contribuições para o actual debate
sobre as causas dos fogos que todos os anos destroem milhares e milhares de
hectares de floresta em Portugal, com o cortejo de vítimas humanas que os
acompanham, devem ser amplamente divulgadas pois constituem um importante alerta
para a opinião pública. É tempo de definitivamente pressionarmos os governos
para que enfrentem os poderosos interesses instalados de pequenas minorias e se
empenhem na defesa de um património que é de todos.
A
transcrição de mais um artigo de opinião que FSP assina no Público de hoje é a
nossa modesta contribuição para o alerta que referimos acima.
O título deste texto devia ser o foco principal das
imensas discussões que se fazem e vão continuar a fazer-se à volta da tragédia
dos fogos florestais que começaram no último mês a assolar Portugal. E o Verão
está ainda a principiar.
Nem eu nem muitas pessoas que andam há anos envolvidos
nestas matérias do Ambiente, das Florestas e da Natureza compreendemos por que
se faz silêncio em torno deste tema. Os partidos políticos, em especial o PS e
o PSD, mas também o CDS, que desde há décadas dividem entre si a governação,
têm igual responsabilidade no estado a que o país chegou em matéria de gestão
florestal do território.
Há um triângulo de organizações que nesta fase dos
incêndios devem actuar: um vértice tem a Protecção Civil, o outro vértice têm
os bombeiros e o terceiro vértice devia ter o organismo responsável pelas
florestas — quem é?
Ao acabarem com os Serviços Florestais e o seu corpo
especializado que eram os guardas florestais, os governos usaram o argumento de
que era um encargo grande para o Estado quando mais de 90% da área florestal é
privada — isto são contas de mercearia. Então é mais barato pagar milhões e milhões
(sem falar nas perdas de vidas humanas, que não tem preço) para combater os
incêndios? E quem paga esse encargo, são os privados? E quem ganha com o
combate aos incêndios? E os “fundos perdidos” que vêm (ou deviam vir...) para
acudir às vítimas? São contabilizados?
Custa a entender como é que nem sequer se discute, no
que temos ouvido, a necessidade imperiosa e urgente de criar de novo uma
Autoridade Florestal Nacional, que seja responsável pela gestão da área de
matas e matos que cobrem a maior parte do nosso território.
Para falarmos de forma simplificada, podemos dizer que
o ordenamento da área florestal tem duas componentes. Uma é a determinação das
espécies florestais a utilizar, onde e como, de acordo com as características
edafoclimáticas locais e com a finalidade económica das espécies a usar. Isto
pressupõe um criterioso estudo técnico e científico, com o apoio das
universidades. A outra componente é o redimensionamento das áreas de mata e
mato, por forma a tornar eficaz a sua vigilância e o seu acesso; isso faz-se
criando uma malha de aceiros e arrifes que definirão as dimensões das áreas, de
acordo com a orografia e o tipo de material vegetal presente.
Só uma Autoridade Florestal Nacional pode assegurar
este trabalho, como acontece em todo o mundo, em todos os países em que existe
uma área florestal relevante, e como sempre aconteceu em Portugal até ao dia em
que uns iluminados do PS, do PSD e do CDS, cada um à vez, decidiram que manter
uma estrutura florestal saía muito caro e a coisa resolvia-se... com boas
vontades, com uns privados a ganharem dinheiro nos incêndios e com a GNR, que
serve para tudo.
A Autoridade Florestal Nacional deve englobar os
técnicos florestais e os especialistas de ciências afins que são quem tem o
conhecimento; os guardas florestais enquadrados numa hierarquia de competência
e autoridade que parte dos guardas, passa pelos mestres, pelos administradores
florestais de âmbito local e pelos chefes de circunscrição que têm âmbito
regional. Este corpo vigia as matas, obriga os proprietários a limpar os
povoamentos, obriga os madeireiros, quando cortam o arvoredo, a retirarem não
só a madeira mas também os detritos, etc., etc. E depois vêm os sapadores
florestais, que não trabalham só agora na época dos fogos, pois eles têm
trabalho todo o ano na abertura e manutenção dos aceires e arrifes, por forma a
que, quando chega a época dos fogos, essas vias estejam limpas e desimpedidas
de detritos. É cara esta estrutura? Alguém imagina os EUA ou o Canadá a banirem
os seus rangers e a França a acabar com os gardes florestiers?
É urgente recriar uma Autoridade Florestal Nacional,
chamem-lhe o que quiserem, pois em nomes nós somos especialistas — mas ponham a
politiquice de lado e assumam o desígnio nacional de possibilitar que a área de
matas (e de matos, que são muito importantes) passe a ter melhor futuro. Temos
uma Força Aérea que podia e devia ter meios de combate aos incêndios, mas
“alguém” acha preferível pagar esse serviço aos privados. Deve sair mais
barato...
Tenham vergonha, senhores políticos. E tanto mais que
havia para dizer... Mas fico por aqui, de vez.
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