Como
agora se acaba de verificar com a reunião do G20, o problema das alterações
climáticas está na ordem do dia. Esta situação tem particular acuidade entre
nós por via dos recentes incêndios que dizimaram mais de seis dezenas de vidas
e uma imensa área florestal.
A
propósito do estado da floresta em Portugal, tem-se falado muito sobre o
processo de eucaliptização do país. É bom não esquecer que o eucalipto é uma
espécie florestal muito combustível e que facilita muito a propagação dos incêndios.
Portugal tem a maior área do mundo de eucaliptos proporcionalmente à nossa área
florestal. Por outro lado, somos os campeões em área ardida em toda a Europa.
A
partir destes dados mas tendo ainda em atenção que para muitos proprietários
florestais o eucalipto é uma importante fonte de rendimento, há que proceder-se
a uma reforma florestal que congregue vários interesses que estão em jogo. Neste
aspecto precisamos estar bem alerta pois a afirmação do ministro da Agricultura
segundo a qual “não haverá mais um único hectare de eucalipto em Portugal” é
falsa como o demonstra João Camargo, Engenheiro do Ambiente e Especialista em
Alterações Climáticas, no seguinte artigo de opinião que transcrevemos do
Público de ontem (08-07-2017).
Desde a tragédia em Pedrógão que o
debate acerca do futuro das florestas tem sido intenso e, com a aproximação da
data assumida de 19 de julho para fechar uma reforma florestal, é importante
perceber o que se prepara o Governo para fazer. De entre as várias propostas em
cima da mesa, que tocam nas questões da estrutura da propriedade, do combate
aos incêndios, do banco nacional de terras, cadastro florestal e fogos
controlados, há uma a destacar: a alteração ao regime jurídico de arborização e
rearborização (que se tornou conhecido como lei do eucalipto). Sob a lei do
anterior Governo, a floresta em Portugal continuou um processo de
eucaliptização e perda de floresta, contribuindo, em conjunto com uma situação
de abandono generalizado, para a continuação de anos de incêndios
catastróficos.
O ministro Capoulas Santos anunciou
recentemente que “não haverá mais um único hectare de eucalipto em Portugal”,
afirmação audaz mas que foi imediatamente corrigida, ao afirmar que “vamos
permitir é a transferência de áreas de produção de eucalipto, de locais com
maior risco de incêndio e menos produtivas, para outras mais produtivas”. O que
quererá isto dizer, exactamente?
O novo projeto de lei do Governo, que
pretende substituir a lei do eucalipto, diz que não são permitidas acções de
arborização (novas plantações) com eucaliptos e que são apenas permitidas
rearborizações (voltar a plantar em áreas previamente plantadas) de eucalipto
quando a área já tinha previamente eucaliptos. Com uma excepção: quando
“resultem de projetos de compensação, relativos à eliminação de povoamentos de
eucalipto de igual área, localizados designadamente em zonas marginais e de
baixa produtividade, com preparação de terreno que permita uso agrícola,
pecuário ou florestal, neste caso, desde que com outras espécies que não do
género Eucalyptus spp.”. Traduzindo, o Governo introduz uma suspensão
teórica da área plantada por eucalipto e ao mesmo tempo um sistema de permutas
que permite trocar-se áreas eucaliptizadas e pouco produtivas por áreas não
eucaliptizadas em terrenos mais produtivos. É dizer que não haverá mais um
único hectare de eucalipto em Portugal, quando na verdade existirão dezenas de
milhares de novos hectares de eucalipto em Portugal, e nas zonas mais
produtivas do país.
O Governo propõe uma troca às celuloses:
elas deixam o osso, as zonas menos produtivas do país, em troca do lombo, que é
concretamente a zona litoral centro-norte do país, aquela que tem as melhores
capacidades de continuar a sustentar uma floresta biodiversa, com os solos mais
ricos, maior disponibilidade de água e temperatura mais moderada. Por esses
motivos, também é a zona mais rentável para uma monocultura intensiva. Isso não
tem nada a ver com combate a incêndios, tem que ver com a contínua entrega do
território. Aliás, a mortalidade do eucalipto, como de outras espécies, está a
aumentar e continuará, com o aumento da temperatura e redução da precipitação,
em particular no interior. Por isso é que no Governo anterior tanto se insistiu
no regadio público para o eucalipto. Estamos a falar do futuro e de uma
floresta em que, na melhor das hipóteses, a temperatura estará 2ºC mais quente
e a precipitação 4% a 9% menor.
As alterações climáticas tendem a
degradar as áreas florestais, em particular as que já são vulneráveis,
modificando o comportamento dos incêndios, que se tornarão mais violentos e
quentes, provavelmente aumentando o número de fogos de copas em relação aos
fogos sob o coberto. O aumento da temperatura de 2ºC é um aumento médio, isto
é, haverá dias muito mais quentes, como aqueles em que ocorreu a tragédia de
Pedrógão Grande, e as noites tropicais (acima dos 20ºC) aumentarão, dificultando
ainda mais o combate e dificultando o sucesso de várias espécies florestais.
Mas as florestas têm um enorme potencial de ajudar-nos no combate às alterações
climáticas, quer servindo como sumidouros de carbono (o que acontece quando não
ardem), quer contribuindo para conservar solos e água num território que
tenderá a perdê-los. O enorme serviço que a floresta pode prestar ao país no
futuro depende de várias das escolhas que fazemos hoje: ela servirá para
proteger o território, se conseguirmos moldá-la nesse sentido, habitá-la e
voltá-la para os seus serviços naturais, muito mais do que para o rendimento
imediato e o mercado da exportação. A importância dada à biodiversidade, à
resiliência e à aposta em espécies autóctones (que têm de ser muito bem geridas
para se desenvolverem num clima muito mais adverso) definirá muito da
habitabilidade futura do nosso território. A proposta do Governo, abrindo às
celuloses a porta das áreas com maior potencial do território nacional, faz o
contrário.
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