É
visível a olho nu que a direita anda desnorteada por não vislumbrar a curto ou
médio prazo a possibilidade de regressar ao poder. Vai daí, tudo serve para
arremessar ao Governo, apoiado na esquerda, o mais pequeno seixo que encontre
pelo caminho. As situações geradas pela tragédia de Pedrógão e pelo alegado
roubo de material militar em Tancos, deram à direita um pretexto para tentar
criar na opinião pública uma sensação de insegurança que na realidade não
existe. Supostamente, o debate quinzenal que teve lugar ontem seria o momento
ideal. Mas nada aconteceu para lá de uma retórica que se vem repetindo ainda
que sem qualquer conteúdo, como não podia deixar de ser. O resultado final
traduziu-se em nada apesar de repetidamente se ter afirmado que o Estado
colapsou. São os próprios autores desta expressão que não tiveram coragem de a
traduzir em algo como uma moção de censura, o que prova que apenas pretendiam o
espectáculo em vésperas da pré-campanha eleitoral para as autárquicas.
O
texto seguinte foi retirado do blog que Francisco Louçã detém no Público, onde
o ex-dirigente do Bloco, com o tom levemente irónico que usa com muita mestria
comenta os acontecimentos de ontem no parlamento.
Tudo
era previsível.
António
Costa respondeu à crise do incêndio e prometeu uma ambiciosa reforma da
floresta, anunciou que a saúde seria o seu novo tema e, num momento pouco
notado, lançou a campanha eleitoral com a Carris e os STCP. Lembrou a conversa
de ontem com os generais e garantiu à esquerda que negociaria. Ministros todos
na formatura e continuidade para 2018.
No
PSD, espreitou o velho PPD. Montenegro tentou levantar as hostes insinuando-se
contra Passos Coelho, temos candidato e vai ser mais depressa do que se previa,
e para isso radicalizou o discurso da catástrofe: em poucos minutos, o Estado
colapsou seis vezes, se bem contei, e até a democracia colapsou de caminho. O
SIRESP, contrabandeado para o banco do PSD por um governo PSD-CDS, os créditos
mal contados da CGD, idem, o falhanço da videovigilância em Tancos, idem, tudo
veio à baila como “colapso do Estado”.
Quanto
a Cristas, tentou a pose Portas: vivemos o “falhanço mais básico” da autoridade
do Estado e a insegurança é aterradora, “a confiança quebrou-se”. Telmo Correia
repetiu o seu número dos oito séculos que caíram na vergonha desta plebe ter
tomado o lugar de sua majestade.
Nesta
escolha do PSD e CDS está a boa notícia para o governo. Os partidos da direita
escolheram desprezar o Presidente (o cuidador do Estado) e abandonar o debate
económico. Vão pagar pelas duas opções. Pelo caminho, ensaiam uma curiosa
efabulação: o governo não cuidava das contas públicas porque gastava demais e
logo com as gorduras, as pensões e salários; agora criticam o governo por
gastar de menos. Em resumo, “é verdade que economia cresceu e desemprego
baixou” (Montenegro) e “a economia melhorou” (Passos) e fica tudo dito, é o que
importa a quem se importa com a vida da gente.
Também
à esquerda tudo previsível. Catarina e Jerónimo de Sousa negociaram condições e
pediram garantias, a que Costa mostrou querer aceder. Nas entrelinhas, nota-se
que o desacordo sobre as leis das florestas é profundo, mas o Primeiro Ministro
deu voz aos critérios da esquerda, que aparentemente desagradam ao seu
ministro. Têm poucos dias para se entender, ou é melhor adiar a votação das
leis para setembro, o que seria um recuo para o governo.
No
mais, houve algum desplante. Cristas acha que Costa “deserta” quando vai de
férias mas prefere que não lhe lembrem o que ela própria assinou quando era
ministra e andava de férias. Passos ainda está zangado por não ser primeiro
ministro. Tricas e ninguém se importa com isso.
Tudo resumido, depois de o
Estado ter colapsado e sabermos que vivemos em estado de pânico, esperava-se
uma ou duas valentes moções de censura para salvar Portugal. Mas, no fim do
debate, Passos e Cristas arrumaram as pastas e só pensam em ir de férias, como
aliás boa parte da população.
Sem comentários:
Enviar um comentário