Enquanto
a Comissão Europeia (CE) parece adormecida, cada vez é maior o número de
europeus que está convencido de que a Hungria e a Polónia deixaram de poder ser
consideradas democracias.
Em
relação a este último país, ainda hoje chegou ao conhecimento público mais uma confirmação
de que, de todo, o regime democrático deixou de lá vigorar. Efectivamente, o
poder judicial passou , de uma forma clara, a ser subordinado ao poder
político. De facto, “o Governo passa a controlar a nomeação e demissão dos 86 juízes do Supremo Tribunal e dos tribunais inferiores, e o parlamento passa a escolher a composição do Tribunal Judiciário Nacional, a quem compete a indicação de todos os magistrados”, o que significa
que na Polónia, passaram a estar em causa “os valores fundamentais de um Estado
de direito democrático”, usando uma expressão da CE.
A par desta situação, outra que tem sido pouco referida mas não
menos grave é a que acontece na Áustria onde, “os herdeiros do nazismo estão
numa posição de força no novo governo” como começa por afirmar Benjamin Abtan
(*) num interessante artigo de opinião que assina no “Público” de hoje.
Sejamos
claros: os herdeiros do nazismo estão numa posição de força no novo governo
austríaco. Como resultado, os Estados e as sociedades civis europeias devem
agir com determinação para isolar este governo na Europa e boicotar a
presidência austríaca da União Europeia.
Eu sei que
esta posição, que foi consensual durante a participação anterior do FPÖ
(Partido da Liberdade) no governo de 2000 a 2006, já não o é. Mas a herança
nazi será menos infame hoje do que era ontem? A natureza exterminadora dos
referenciais ideológicos do partido será menos perigosa hoje do que era ontem?
De facto, se foram essencialmente a retórica antimuçulmana e xenófoba, em
particular contra os refugiados, que permitiram ao FPÖ regressar à cena
política, a sua matriz ideológica não mudou.
Os
incidentes anti-semitas na campanha, incluindo algumas declarações do novo
chanceler Sebastian Kurz próximas do anti-semitismo, mostraram que este
continua a progredir e a tornar-se mais virulento na sua expressão política, no
FPÖ como em muitos outros movimentos e partidos.
Um certo
apagamento da memória do Holocausto devido ao passar do tempo e ao
desaparecimento dos sobreviventes, especialmente neste país que não conheceu
qualquer processo real de des-nazificação ou trabalho sério de memória, jogou
certamente um papel na permissividade com que o FPÖ voltou a entrar no governo.
Assim como a atracção que o nacionalismo exerce nos jovens que, na Áustria como
noutros lugares, também estão entre os seus apoiantes mais importantes.
O que
constitui a fatal originalidade austríaca é a apatia da sociedade civil. Embora
tenham passado dois meses desde que se iniciaram as negociações com a
extrema-direita para a formação do governo, ela não fez verdadeiramente ouvir a
sua voz. Como se o controlo da vice-chancelaria por um antigo conhecido dos
meios neonazis e os ministérios conseguidos pelo seu partido não merecessem
fortes mobilizações.
A acção
dos Estados da Europa e da sociedade civil, na Áustria como noutros países do
continente, deve agora ser vigorosa e determinada. Não confrontar fortemente
este governo, para além de alguns meros protestos formais, seria uma enorme
falha política e moral.
Trata-se
de evitar a fractura do nosso continente e da União Europeia em relação aos
valores das nossas sociedades e à natureza dos nossos sistemas políticos. Esta
fractura já começou, particularmente entre o Oeste e o Leste, onde vários
regimes não podem mais ser descritos como democracias, como a Hungria ou a
Polónia. Ela diz respeito ao conjunto do nosso continente, onde o apego aos
valores da igualdade, da justiça e da liberdade que fundam a democracia já não
tem a unanimidade das populações.
A recente grande
manifestação de 60.000 nacionalistas extremistas em Varsóvia mostrou a força da
contestação radical a estes valores. Esta fractura poderá ser fatal para a UE e
para a democracia liberal como sistema político e de valores nos nossos países.
Além disso,
a sociedade civil e os Estados da Europa devem isolar este governo austríaco.
Em termos concretos, isto significa, em primeiro lugar, mobilizações populares
na Áustria. Associações, intelectuais, artistas, cidadãos e autoridades locais
devem envolver-se em conjunto, com os estrangeiros que lhes façam prova da sua
solidariedade internacional, para dar vida à democracia. Estas mobilizações
devem ser acompanhadas de acções de apoio à sociedade civil nos outros países
europeus.
Isto
também significa, a exemplo da posição comum europeia de 2000, que os ministros
de extrema-direita não devem ser recebidos por nenhum dos seus homólogos
europeus nem devem participar em reuniões com eles. A sociedade civil deverá,
por ocasião das visitas ao estrangeiro do chanceler Kurz ou dos ministros do
seu partido, rejeitar fortemente a sua aliança com o FPÖ.
Isto
implica igualmente o boicote dos chefes de Estado e de governo à presidência
austríaca do Conselho da União Europeia, entre 1 de Julho e 31 de Dezembro de
2018, a fim de mostrar em actos o primado dos valores humanistas da Europa.
Finalmente,
é essencial lançar iniciativas europeias ambiciosas, que sensibilizem em
particular os jovens, suscitem a sua adesão e aprofundem a democracia. Por
exemplo, a generalização da circulação de jovens na Europa em torno de um
"Erasmus universal", apoiado por jovens em todo o continente,
contribuiria para a construção de uma identidade e uma sociedade civil
europeias. Estas são fundamentais para a existência de instituições comuns, e a
sua formação situa-se no extremo oposto dos projectos de ódio e fechamento
propostos pelo nacionalismo. Da nossa reacção à entrada do FPÖ no governo
austríaco depende em parte a natureza do nosso futuro europeu compartilhado. Na
Áustria e por toda a parte, temos de estar à altura do desafio.
(*) Presidente
do Movimento Anti-Racista Europeu (EGAM); coordenador da Rede Elie Wiesel de
Parlamentares da Europa para a Prevenção do Genocídio
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