Apesar de não parecer, porque a
comunicação social passou a dar-lhe menos importância, a verdade é que o
problema das migrações continua na ordem do dia. Para isso, basta constatar o “avassalador
número de 65,6 milhões de pessoas em todo o mundo que foram forçadas a
abandonar as suas casas”, apenas um
dos números referidos por Pedro Góis (*) no seguinte excerto de um artigo de
opinião que assina no Público de hoje.
Este ano,
como aliás já nos anteriores, foram muito intensas as migrações humanas. Em
todos os continentes a sedentarização tradicional, a idade da imobilidade em
que temos a ilusão de viver, tem sido posta em causa por grandes movimentos
migratórios tanto internos como internacionais. Atualmente vivemos uma época de
grande e intensa mobilidade como nunca aconteceu no passado. As colossais
migrações internas na China ou na India, as migrações internas em grandes áreas
de consenso político como a União Europeia, os EUA ou a CEDEAO não param de
demonstrar que Galileu era um visionário quando, referindo-se ao planeta, ao
afirmar “Eppur si muove”, afinal, também a nós se referia.
A “crise
dos refugiados” deu sinais de abrandamento na Europa Central e no centro da
política europeia, mas não desapareceu. Moveu-se noutras direções, permaneceu
nos países vizinhos das áreas de conflito, divergiu para países como a Líbia, o
Egipto, o Sudão do Sul ou o Níger, encontrou novos atores políticos, perdurou
no centro da atenção das principais agências humanitárias e de centenas de ONG.
Novas “crises de refugiados” como as dos rohingya são apenas parte de um
avassalador número de 65,6 milhões de pessoas em todo o mundo que foram
forçadas a abandonar as suas casas. O maior volume de migrações forçadas de
sempre. Entre estas pessoas estão quase 22,5 milhões de refugiados, mais de
metade dos quais são crianças e jovens. Devemos ainda somar a estes números dez
milhões de apátridas, seres humanos a quem foi negada a nacionalidade e o
acesso a direitos básicos como educação, saúde, emprego e liberdade de
circulação.
A
intensidade (e volume) das migrações irá aumentar ao longo das próximas
décadas. O conhecimento científico que detemos atualmente sobre as causas das
migrações não deixa margem para dúvidas. Os desequilíbrios demográficos
norte-sul, o envelhecimento demográfico de muitos países europeus, mas também
da Rússia ou do Japão, a pressão demográfica em países como a Nigéria ou o
Bangladesh e a urbanização ineludível do mundo são apenas algumas das condições
potenciadoras de um aumento das migrações à escala global. As alterações
climáticas, por si só, forçarão a migração em massa de um bilião de pessoas até
2100.
Não
referimos ainda as causas e consequências de uma desigualdade social crescente
entre ricos e pobres que, progressivamente, vai ocupando mais espaço no século
XXI. O coeficiente de Gini tende cada vez mais para 1 (o valor da desigualdade perfeita)
e afasta-se do 0 (o valor da igualdade perfeita) num número cada vez maior de
países. Não falámos da irracionalidade de muitas das decisões políticas que
negam as causas das migrações e pretendem condenar à imobilidade uma parte
imensa da população mundial. Não falámos da corrupção que impede uma
redistribuição progressiva da riqueza gerada em muitos dos países de origem dos
migrantes. Não falámos da construção de muros, do negócio em que se tornou a
segurança de fronteiras ou do aparecimento de uma indústria das migrações
global com lobbies cada vez mais impactantes nas políticas de
migrações internacionais.
(*) Sociólogo, Prof.
universitário e investigador do CES
Sem comentários:
Enviar um comentário