terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

A SÚCIA ANGOLANA


O sistema capitalista, na sua versão radical contemporânea, actua sem qualquer controlo. É um vale tudo em que a única lei em vigor é a do mais forte. Os portugueses sabem por experiência própria através do que tem acontecido com a chantagem exercida pelo Governo e todos os seus apêndices sobre o Tribunal Constitucional quando este órgão de fiscalização das leis está prestes a exercer as funções que lhe são solicitadas e o poder receia que as suas decisões não lhe agradem.
De qualquer maneira, a nível global, entre os beneficiários e sustentáculos do sistema tem existido um certo respeito mútuo que não deixa ultrapassar determinadas fronteiras. O que nos conta Nicolau Santos no Expresso Economia do passado sábado é revelador de que, nem estes acordos tácitos a súcia que (se) governa em Angola está disposta a respeitar. Se eles exercem tamanhas chantagens sobre companhons de route pode-se fazer uma pequena ideia do que acontecerá com entidades claramente mais fracas…  
Henrique granadeiro resolveu dar uma entrevista à Reuters para, na prática, denunciar que a Unitel não paga à Portugal Telecom os dividendos que lhe são devidos pelos exercícios de 2011, 2012 e 2013. Para quem não sabe, a Unitel é a maior empresa angolana de telecomunicações, líder destacada naquele mercado, com uma elevadíssima rentabilidade, detida em partes iguais por quatro acionistas, três empresários angolanos, um dos quais Isabel dos Santos, e a PT. A operadora portuguesa tem a haver mais de €240 milhões no total, parte dos quais o Banco de Angola já autorizou que fossem transferidos para Lisboa. Só que como os dividendos não foram pagos, não há dinheiro para transferir.
E porque é que os dinheiros não foram pagos? Pura e simplesmente porque Isabel dos Santos não quer. E não quer porque espera, por essa via, forçar a PT a vender a sua posição, a ela ou a outro sócio angolano. Isabel dos Santos quer a PT fora da Unitel. E fará o que for necessário para que isso aconteça, mesmo que não esteja apoiada em qualquer decisão judicial ou outra medida com força de lei. Esta sua atitude não é inédita. Há uns anos, Isabel dos Santos quis ser dona da Cimangola, a maior empresa angolana de cimentos. Havia um obstáculo: o dono da Cimangola era a empresa portuguesa Teixeira Duarte. Pois bem: mesmo contrariada, a Teixeira Duarte acabou por ter de vender porque a pressão se tornou insustentável. Há também o caso da Unicer, que queria construir uma fábrica de cervejas em Angola. Mas escolheu os sócios errados, excluindo Isabel dos Santos, que também queria entrar no negócio. Até hoje a fábrica não saiu do papel.
A posição da PT na Unitel pode ainda dar algumas voltas. Se tiver de ser resolvida após a fusão da PT com a brasileira Oi, que deverá decorrer em abril, o caso muda de figura. Há muito que Isabel dos Santos se incompatibilizou com o chairman da PT, Henrique Granadeiro, e com o seu presidente-executivo,  Zeinal Bava, que considera “too smart, too young and too dangerous”. Mas negociar com os brasileiros não será tão fácil. Em qualquer caso, a maior probabilidade neste momento é que a PT tenha mesmo de vender a sua posição e abandonar o mercado angolano.
Não foi, portanto, por coincidência que Henrique Granadeiro decidiu denunciar o caso à Reuters, uma agência seguida por investidores em todo o mundo. O alerta serve também para os investidores internacionais terem consciência de que em Angola, além das regras do mercado, existem outras leis não escritas mas que são determinantes. (*)
(*) Este texto contém apenas a parte mais importante do artigo de Nicolau Santos

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