Aproveitando a aparente passividade que o
povo português tem vindo a dar mostras perante a crescente pauperização do país,
a maioria de direita acrescenta, a passos largos, novas achas à fogueira. Nada os
demove, nem a emigração de centenas de milhares de jovens, muitos deles
altamente preparados, nem a visível degradação da saúde dos portugueses, nem os
salários miseráveis que estão a ser pagos aos que teimam em ir ficando por cá,
nem os milhões que passam fome ou se encontram no limiar da pobreza, antes pelo
contrário, vão continuando o desmantelamento do Estado social, ao mesmo tempo
que reduzem os apoios sociais aos mais desfavorecidos e esmagam a classe média
com mais e mais impostos.
O excelente texto que reproduzimos a seguir,
é da autoria de Nicolau Santos e encontra-se no Expresso Economia de ontem. Há nele
uma espécie de apelo indirecto ao povo português no sentido de não se conformar
“com esta apagada e vil tristeza” em que estamos a ser lançados pelo Governo
Passos/Portas.
Senhor primeiro-ministro, não
me conformo. Não me conformo com um Governo que está a desmantelar o Estado
social e o contrato laboral que o país construiu em quatro décadas. Não me
conformo com a redução dos apoios sociais aos mais pobres, aos idosos, aos
doentes, aos mais desfavorecidos, aos que mais precisam de protecção pública e
da ajuda do Estado. Não me conformo com um Governo que está a pauperizar a
classe média através da política fiscal. Não me conformo com os milhares de
jovens talentosos obrigados a emigrar nem com os salários miseráveis que lhes são
oferecidos. Não me conformo que um engenheiro português esteja a ser contratado
por um terço do salário de um engenheiro alemão. Não me conformo com os cortes
nos apoios às bolsas dos cientistas. Não me conformo com a degradação das condições
de trabalho, com a precarização dos vínculos laborais e com o medo de perder o
emprego que assombra os trabalhadores por conta de outrem. Não me conformo com
um país em que dois milhões de pessoas vivem no limiar da pobreza.
Não me conformo com um Governo
que está a reduzir de tal maneira o Serviço Nacional de Saúde que os índices de
mortalidade infantil, onde estávamos entre os cinco melhores do mundo, começam
a regredir, a tuberculose está de regresso e as mortes por oncologia estão a
subir. Não me conformo com um país onde há doentes cujos exames que os podem
salvar demoram dois anos a realizar. Não me conformo com um país que adia os
tratamentos contra o cancro porque há atrasos ou rutura no fornecimento de
medicamentos e não tem acesso aos fármacos mais inovadores. Não me conformo com
um país onde as farmácias não têm os medicamentos que os clientes procuram. Não
me conformo com um país onde um jovem que sofre um acidente em Chaves tem de
ser transportado por viatura durante 400 quilómetros por ausência de
especialistas e de vagas nos hospitais.
Não me conformo com um país
em que, apesar da crise, o Governo reduz o número de beneficiários da Segurança
Social (em 2012 eram 4,13 milhões de beneficiários, agora são menos 83.306). Não
me conformo com um país onde o subsídio de desemprego abrange menos de metade
das pessoas desempregadas (375.057, deixando sem qualquer tipo de apoio mais de
440 mil). Não me conformo com um país onde os desempregados, cada vez recebem
menos (478,09 euros, menos 11 euros do que em Dezembro de 2012).
Senhor primeiro-ministro, eu
não me conformo com um Governo que num ano retirou a quase 50 mil pessoas o
direito de receber o Rendimento Social de Inserção. Não me conformo com um
Governo que em três anos retirou o abono de família a 130 mil pessoas. Não me
conformo que 1168 crianças e jovens tenham perdido o abono de família em Dezembro
de 2012.
Não me
conformo com um Governo que corta salários e pensões de forma brutal. Não me
conformo que me diga que não voltaremos aos “níveis de riqueza ilusória” antes
de 2011. Não me conformo que me diga que saímos daqui empobrecendo. Mas sobretudo,
senhor primeiro-ministro, não me conformo que me diga que tenho de me conformar
com esta apagada e vil tristeza em que o senhor nos está a lançar. Não me
conformo que o senhor nos tente tirar o sonho de que é possível construir um
país melhor, mais justo, mais igual, mais moderno, mais feliz do que este que
nos está a legar. Senhor primeiro-ministro, eu não me conformo!
Sem comentários:
Enviar um comentário