Cipriano Justo, dirigente da Renovação
Comunista faz uma interessante reflexão no Público de hoje sobre o pós-conclusão
do programa de assistência financeira.
Seria surpreendente que a pouco mais de noventa dias da
conclusão do programa de assistência financeira o Governo português, a Comissão
Europeia, o BCE e o FMI ainda não tivessem conseguido projectar qual das
alternativas vai ser escolhida para garantir o acesso às fontes de
financiamento após o dia 17 de maio.
Presume-se que as
avaliações trimestrais realizadas pelos enviados da CE-BCE-FMI serviram tanto
para avaliar o cumprimento das metas do programa de austeridade como para
aceder e recolher informação suplementar que os autorizem a poderem decidir,
desde já, sobre a natureza do programa que se segue. Considerando que aqueles
organismos não são politicamente neutros, como já deram sobejas provas disso, o
que agora está em jogo é, eminentemente, a gestão política do anúncio da
solução que vai ser aplicada a Portugal.
Este tabu interessa exclusivamente ao Governo. O que está em
jogo não são os graus de incerteza quanto à percepção dos mercados financeiros
sobre a situação portuguesa, mas a necessidade de a direita concentrar todos os
seus argumentos no desafio ao Partido Socialista para rubricar um qualquer
programa de continuação da austeridade de maneira a poder servir-lhe de
bandeira na campanha para as eleições europeias. Uma vez que nos planos do
Governo a austeridade veio para ficar, conseguir obter um acordo com o partido
que está em melhores condições para o derrotar nas eleições que se vão seguir
seria o sol na eira em três anos seguidos de inverno impiedoso. Diga-se, no
entanto, que uma saída do programa de assistência financeira com um apêndice
cautelar atrelado é uma indesmentível derrota para este Governo, uma saída pela
porta dos fundos, considerando o grau de destruição social por ele provocado.
Com os desenvolvimentos políticos verificados na Alemanha e em
França, em que pontua a rendição de François Hollande à lógica dos programas de
austeridade, ao reduzir em 50 mil milhões de euros a despesa pública e
diminuindo em 30 milhões de euros a receita do IRC, o campo do centro-esquerda
europeu está a tornar-se progressivamente residual, expondo os partidos que na
oposição se filiam neste polo político à captura inexorável pelos afiliados da
CDU/CSU alemã. É indesmentível que a vitória do candidato do Partido Socialista
francês nas presidenciais de 6 de maio de 2012 gerou expectativas quanto à
emergência de um contrapoder europeu à hegemonia avassaladora da direita alemã.
Recordemos esta passagem do seu discurso de vitória: “Na hora em que o
resultado foi anunciado, tive a certeza que em diversos países europeus houve
um sentimento de alívio e de esperança, de que, por fim, a austeridade não deve
ser mais uma fatalidade." A consequência política da frustração desta
expectativa é a redução substancial do capital de confiança que o
centro-esquerda europeu ainda podia deter para uma solução alternativa à política
de austeridade, exigindo-se-lhe agora argumentos adicionais para que um
potencial e desejável entendimento com a esquerda possa ter lugar.
Internamente, o
momento mais próximo para se avaliar dessa eventualidade são as eleições de 25
de maio, e o que se passar até lá. Por exemplo, o PS está a considerar um
acordo pós-troika
com os partidos do Governo? O PS está disponível para reconsiderar o seu apoio
ao Tratado Orçamental? O PS está em condições de se poder comprometer com a
reposição dos salários da função pública e das pensões dos reformados e
pensionistas? No seguimento da derrota nas eleições autárquicas, o PS pondera a
exigência de eleições legislativas antecipadas no cenário de derrota da maioria
governamental? Eis alguns dos sinais que se espera que o PS esteja em condições
de dar para que o clima fique mais desanuviado e, à esquerda, se possa
equacionar outro tipo de voos, e compromissos mais abrangentes.
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