É usual dizer-se que a cultura não dá
votos. Também é do senso comum que a direita mais retrógrada trata a cultura
com desprezo e, tanto assim é, que este Governo decidiu despromove-la no seu organigrama,
para uma simples Secretaria de Estado. Não causa, por esse motivo, qualquer admiração
que agora tenha decidido vender um dos poucos “anéis” que sobraram da gestão
ruinosa do BPN – a colecção de 85 obras do pintor catalão Joan Miró. Ainda por
cima, aquelas obras foram transportadas para Londres, à socapa, de forma ilegal
como já confirmou a própria Direcção-Geral do Património. Eis mais uma prova de
que este Governo não olha a meios para atingir os seus fins inclusive violar a
lei, uma prática a que já nos habituou.
Se é verdade que o responsável imediato
desta recambolesca acção é o Secretário de Estado da Cultura, Jorge Barreto Xavier
(JBX), não devem restar dúvidas de que ela não poderia ser levada a cabo sem o
conhecimento prévio do Primeiro-Ministro. O escritor António Vilhena exige no
Diário de Coimbra de ontem a demissão de JBX (o Bloco já tinha feito esta exigência)
pela traição que levou a cabo contra um património cultural que nos pertence mas,
não os devemos esquecer onde se encontra a responsabilidade máxima.
A saída ilegal das 85 obras
de Joan Miró, para serem leiloadas na Christtie’s, em Londres, constitui um
caso de polícia que deve expor os responsáveis políticos ao contraditório, nomeadamente,
na Assembleia da República. O BPN é a triste história que todos conhecemos – roubos,
fraudes e promiscuidade entre negócios e política –, gente obscura que usou os
poderes e as facilidades para enriquecimento fácil. Da nacionalização do BPN
ficou um buraco que ainda estamos a pagar e alguns anéis dessa ruinosa gestão. Um
desses anéis é a colecção de 85 quadros de Miró, avaliada a preço de saldo. Porque
é preciso vender tudo: a EDP, os CTT, depois a TAP e, talvez, a Torre de Belém,
os Jerónimos, a Batalha, o Museu de Arte Antiga, a Torre da Universidade de
Coimbra e o Panteão… Quem nos governa vende-nos tudo, para enriquecer os
credores que antes alimentaram os BPNs e que agora exigem mais para alimentarem
a sua usura compulsiva.
Todos sabemos, e os
hipócritas do Governo também o sabem, que a Arte Moderna é mais rentável que a especulação
bolsista. Em todo o mundo os grandes museus de Arte Moderna digladiam-se pela
aquisição das obras de Miró, e este leilão, para já adiado, constitui uma
oportunidade para enriquecerem o seu catálogo. Não perceber isto, ou pior,
fingir que não sabem, assume contornos de crime e de traição à pátria. O esbulho
institucional indigna e convida à revolta. Já sabemos que alguém foi cúmplice
pela saída ilegal deste acervo único de Miró do país, já sabemos quem tutela a
pasta da Secretaria de Estado da Cultura não considera relevante a colecção, já
sabemos que a maioria que apoia este governo é contra que a colecção permaneça
em Portugal. O que ainda não sabemos foi quem deu cobertura à fuga clandestina
da colecção para Londres, sem o parecer da Direcção-Geral do Património
Cultural. A vontade de vender esta colecção do pintor catalão é tanta que
parece valer tudo, inclusive violar a Lei de Bases do Património Cultural, “levando
pela calada da noite os quadros para o porão de um avião, sob escolta de
seguranças privados”. Enfim, uma odisseia com emoção e suspense. É o próprio
acórdão do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa que considera que a “expedição
das obras é manifestamente ilegal”. Se não fosse trágico poderíamos entreter-nos
com o problema da praxe mais uns meses, até Maio. Mas esta questão ajuda a
perceber que senhores nos governam, que interesses defendem, que Portugal querem
para os nossos filhos. O Secretário de Estado da Cultura, Jorge Barreto Xavier,
parece como um vendedor de cabeças de gado, insiste que a colecção não é uma
prioridade para Portugal. E vai mais longe, intimida, faz chantagem, faz guerra
psicológica ao assumir que, se os portugueses não quiserem vender a colecção,
terão de sofrer as consequências na saúde e na educação. Com figurantes destes
no governo, que olham para a Cultura como se tratasse de um enchido,
obrigando-nos a escolher entre cultura e a educação ou a saúde, é caso para
dizermos que o sinistro Jorge Barreto Xavier não tem mais condições para ocupar
a cadeira da Secretaria de Estado da Cultura. E, agora, percebemos por que não temos
um Ministério da Cultura: porque esta gente que nos governa é inculta e está ao
serviço de interesses esconsos. Esta gente como o sinistro Jorge Barreto
Xavier, tem que ser julgada pelo povo. O mínimo que se exige é a sua demissão.
Portugal não pode
continuar refém de tanta mediocridade, de tantos carniceiros e vendilhões do
templo. Quem olha para a cultura como um boi para um palácio encontra, com toda
a certeza, semelhanças entre uma pintura Miró e um fardo de palha.
Sem comentários:
Enviar um comentário