Como
muito bem afirma hoje João Goulão no blog Mundo Cão, “o
processo em torno doorçamento de Estado português é exemplar sobre o
teor zero da democracia nas regras pelas quais se guia a União”. Citando ainda um “socialista” muito
próximo de António Costa, cuja entrevista publicada no jornal i de ontem foi muito nomeada, “a Europa é gerida por uma ideologia dominante que não aceita alternativas”. O que, de há
anos a esta parte se vinha designando por “pensamento único”, evoluiu no
sentido da imposição pelas forças mais radicais do neoliberalismo para uma
ideologia única dominada pelos tentáculos do grande capital, em todas as suas
formas. Dá-se mesmo ao luxo de ignorar por completo a manifestação da vontade
dos povos, no sentido da mudança, expressa em eleições livres e democráticas.
Seja qual for o programa de governo mais votado pelos eleitores, da direita à
esquerda, a ideologia dominante impõe as suas regras para que nada se altere.
O
que se está a passar na Europa já nem sequer é um arremedo de democracia pois
até nas ditaduras há eleições regulares, sem quaisquer consequências…
É
sobre a ameaça à nossa democracia, por parte dos “poderes não democraticamente
eleitos”, o texto seguinte que extraímos de um artigo de opinião assinado por Alfredo
Barroso (*) no Público de hoje.
Infelizmente,
os fantasmas da troika, dos mercados financeiros, das agências de rating e da banca (portuguesa e
estrangeira) – símbolos da agiotagem, da mesquinhez e da usura – continuam a
pairar sobre os portugueses – querendo impor-lhes mais políticas de
austeridade, mais medidas para facilitar os despedimentos de trabalhadores e
exercendo mais pressões para que sejam os contribuintes a pagar os desvarios e
desmandos da banca – segundo a lógica perversa que considera que os lucros são
para beneficiar os accionistas e os prejuízos são para ser pagos pelos
cidadãos.
A
verdadeira ameaça que continua a pairar sobre a nossa democracia – sobre as
possibilidades de desenvolvimento do país, e sobre o direito ao bem-estar dos
cidadãos – continua a ser o governo invisível, ilegítimo e antidemocrático dos
plutocratas e dos tecnocratas que os servem.
Além
do regresso da troika, das ameaças das agências de rating e da intransigência da
Comissão Europeia, voltou a estar na ordem do dia o grave problema do BES e do
Novo Banco. Que veio acrescentar-se ao grave problema do BANIF. E, a este
propósito, vale a pena lembrar o que Pacheco Pereira escreveu sobre este
“caso”, em Dezembro passado, no PÚBLICO. Cito:
–
"A história do BANIF é exemplar dos tempos que
correm. Ela mostra tudo o que está errado nas políticas europeias e nacionais,
se é que se pode falar ainda de 'políticas nacionais'. Aliás, o caso do BANIF
revela até que ponto os governos aceitam ser geridos pela burocracia europeia
não eleita, em decisões objectivamente contrárias ao interesse nacional e à sua
própria vontade, eles que são eleitos. Este é um dos aspectos mais preocupantes
da actual situação política portuguesa e europeia: a utilização, muitas vezes
abusiva e excessiva, das chamadas 'regras' europeias, para impor políticas
ideológicas conservadoras e soluções que correspondem a interesses particulares
de outros países, de outras bancas, de outras economias, a Portugal".
É
contra esta lógica infernal que é preciso lutar. É preciso mudar de vida, isto
é, mudar a vida das pessoas, da sociedade e do Estado. É preciso que nos
libertemos – passo a passo, gradualmente, mas firmemente – deste modelo de
sociedade dominada pelos ricos e poderosos, em que o capital financeiro se
impõe e sobrepõe ao trabalho, em que a economia se impõe e sobrepõe à política,
em que os dogmas neoliberais se impõem e sobrepõem aos princípios e valores da
democracia.
Como
também escreveu o Pacheco Pereira, "para sairmos desta lama que nos tolhe,
temos que pensar diferente, falar diferente, e fazer diferente. Nem que seja
pouco diferente, visto que, como isto está, basta um pouco de diferença para
parecer uma revolução".
O
Governo do PS, apoiado por uma maioria de esquerda na Assembleia da República,
começa agora a ser confrontado e pressionado pelos poderes não democraticamente
eleitos – FMI, BCE, Comissão Europeia, agências de rating, governo alemão – que impõem
ao país a usura, a agiotagem e um desgaste cada vez mais profundo das nossas
instituições democráticas. Apesar dos erros gravíssimos que esses mesmos
poderes não democráticos admitem ter cometido, nem por isso tencionam
corrigi-los e parecem, até, querer repetir connosco todo o mal que fizeram à
Grécia. Têm entre nós uma poderosa “5.ª coluna” de colaboracionistas prontos a
ajudá-los. Se nos rendermos às suas imposições, estamos perdidos, e, no sombrio
horizonte que então se nos abrirá, correremos o risco de ver regressar ao poder
a direita que nos esmagou durante os últimos quatro anos.
Como
Antonio Gramsci, também eu sou "um pessimista por causa da inteligência,
mas um optimista por causa da vontade". Só é vencido quem desiste de
lutar.
(*) Comentador
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