Um
mal vir por bem é a conclusão que se tira do excelente artigo de opinião que
Vitor Malheiros (VM) assina hoje no Público e relativamente ao qual deixamos a
seguir um excerto.
Não
acreditando que o Reino Unido fique melhor fora da União Europeia (UE), VM
deseja que o resultado do referendo seja o “Brexit” uma vez que provocará um “abalo”
de tal ordem que, definitivamente leve a UE a “se reformar de forma radical e
para se reconstruir, num formato e com regras diferentes, sob o signo da
decência”. Este raciocínio de VM tem uma lógica pertinente dado que as várias
crises que se vêm sucedendo ainda não chegaram para os poderes dominantes na UE
cederem à evidência de que na Europa se vive cada vez mais uma situação ademocrática
onde a vontade dos cidadãos livremente expressa através do voto é preterida a
favor de imposições de instituições não eleitas. Não pode continuar a suceder
que, em cada país, o resultado de eleições não tenha qualquer implicação na alteração
das políticas.
Na
próxima quinta-feira, quando conhecermos os resultados do referendo no Reino
Unido, eu espero ardentemente que o resultado seja a vitória do “Brexit”.
Não
porque penso que o Reino Unido vá ficar melhor fora da UE. Não porque pense que
a UE vai ficar melhor sem o Reino Unido. Mas apenas porque espero que a saída
do Reino Unido seja o choque que irá provocar o abalo político, o exame de consciência
e o toque a rebate democrático de que a União Europeia precisa para se reformar
de forma radical e para se reconstruir, num formato e com regras diferentes,
sob o signo da decência. E não penso que isso seja possível sem uma vitória do
“Brexit”.
O
presidente do Parlamento Europeu, o socialista Martin Schulz, já disse: “Seja
qual for o resultado [do referendo], teremos necessidade de uma reforma
integral da União Europeia com regras claras.” Mas o problema é que já ouvimos
dizer a mesma coisa noutras circunstâncias para tudo ficar na mesma. Ouvimo-lo
dizer depois da guerra do Iraque, da crise financeira de 2008, da crise das
dívidas soberanas, das políticas de austeridade, da crise dos refugiados. Mas
sabemos que não podemos acreditar em nada do que sai da boca dos dirigentes da
UE.
A
questão é que a UE não é aquela associação entre iguais que nos venderam,
empenhada no progresso de todos os países e no bem-estar de todos os cidadãos,
no pleno emprego e na segurança dos trabalhadores, na paz mundial e na promoção
da democracia.
A
questão é que a UE é apenas uma máscara que disfarça o domínio de um grande
grupo de países por um pequeno grupo de países, numa nova forma de ocupação que
usa a finança como instrumento de submissão, como antes se usavam tanques.
A
questão é que a UE é uma organização antidemocrática, que não só é governada
por dirigentes não eleitos e não removíveis, da Comissão Europeia ao Banco
Central Europeu, como construiu ardilosamente uma camisa de forças jurídica,
sob a forma de tratados irreformáveis de facto, através da qual manieta e
subjuga os Estados-membros e lhes impõe políticas que estes não escolheram, mas
não podem recusar.
A
questão é que a UE e as suas instituições se transformaram na tropa de choque
do poder financeiro mundial e da ideologia neoliberal e, apesar das suas juras
democráticas, impõem a agenda asfixiante da austeridade e proíbem de facto os
países de prosseguir políticas nacionais progressistas mesmo quando elas são a
escolha democrática dos seus povos.
A
questão é que a UE, autoproclamado clube das democracias e dos direitos
humanos, acolhe no seu seio sem um piscar de olhos países que desrespeitam os
direitos mais básicos e adopta no plano internacional a Realpolitik de se submeter aos mais
fortes, obedecer aos mais ricos e fechar os olhos aos desmandos dos mais
agressivos.
A
questão é que a UE perdeu o direito de reivindicar qualquer superioridade moral
quando continuou a atirar refugiados para a morte mesmo depois de ter chorado
lágrimas de crocodilo sobre a fotografia de uma criança afogada no
Mediterrâneo. Hoje, tenho vergonha de pertencer a este clube e não gosto desse
sentimento. Será isto isolacionismo? Pelo contrário. O que eu e muitos cidadãos
europeus exigimos é a solidariedade entre países que a União se recusa a
praticar.
Há
pessoas pouco recomendáveis do lado do “Brexit”? Há. Mas do outro lado também.
E na UE não faltam pessoas pouco recomendáveis, a começar pelo senhor
Jean-Claude Juncker, símbolo da evasão fiscal e da imoralidade política.
A
questão é que a União Europeia não é a Europa dos valores que sonhámos. A UE
capturou essa Europa e transformou-a num bordel. O sonho transformou-se num
pesadelo.
A questão é que a União
Europeia se tornou o ninho da serpente e deve ser desmontada peça por peça.
Espero que o referendo britânico possa ser o primeiro passo.
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