O
Bloco de Esquerda tem levado a cabo, quase sozinho, uma luta exaustiva contra o
offshore da Madeira, um centro de opacidade fiscal que vem servindo para
lavagem de dinheiro sujo das mais diversas proveniências e fuga aos impostos de
empresas, criminosos e outros batoteiros fiscais.
Há
que denunciar a obstrução que PS, PSD e CDS, sem excepção, têm colocado à criação
de legislação que coloque algum travão a tamanhos abusos. Ainda agora isso acaba de acontecer. A desculpa é sempre a mesma: o combate à fraude fiscal e
branqueamento de capitais só pode ter efeitos significativos se tiver lugar a
nível global. Sendo certo que é fundamental uma acção deste tipo, não é menos
verdade que, a nível de cada país alguma coisa pode ser feita.
O
texto seguinte, que transcrevemos do Público de hoje, chama “crime legal” ao
que actualmente é permitido fazer através dos chamados “paraísos fiscais” e usa
palavras muito fortes para classificar a situação. Os sublinhados são nossos.
Trinta
e dois milhões de milhões de dólares, o equivalente a 200 vezes o PIB de
Portugal, é a estimativa avançada pela Rede de Justiça Fiscal para contabilizar
o capital que está parqueado em paraísos fiscais e à margem do sistema
financeiro. Um relatório do FMI revela que anualmente há 300 mil milhões de
dólares de evasão fiscal nos países em desenvolvimento, que correspondem a
impostos que ficam por pagar em que os rendimentos são obtidos e privam os
Estados de poderem realizar investimento em escolas e hospitais para os mais
pobres.
Na
sequência do megaescândalo dos Documentos do Panamá, que meteu no mesmo saco
políticos, celebridades e criminosos, a Comissão Europeia foi obrigada a
acelerar o processo de revisão da 4.ª Diretiva comunitária relativa à prevenção
da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais
ou de financiamento do terrorismo, e à adoção de outras políticas suscetíveis
de conferir maior transparência e justiça fiscal na Europa.
Nos
últimos dias, os eurodeputados têm estado reunidos em Estrasburgo e os
principais grupos parlamentares com assento na Assembleia da República
agendaram para hoje a discussão de um conjunto de propostas sobre transparência
financeira. Na prática, e à excepção da proibição do uso de ações ao portador e
da redução do montante máximo para transações em numerário, que têm aprovação
garantida no Parlamento, as restantes medidas não passam de operações de
cosmética para marcar a agenda política e nenhuma das propostas é suportada por
estudos técnicos e de impacto da eficácia das medidas.
Um
dos temas em cima da mesa está relacionado com o offshore da Madeira, que na prática tem funcionado como
um bordel tributário que permite a fuga aos impostos por parte das
multinacionais que usam a sobrefaturação para empolar os custos das mercadorias
e fugir aos impostos. Esta situação tem provocado um aumento artificial do PIB
da Madeira, impossibilitando a região de ter acesso a fundos comunitários para
apoio à insularidade e ao fundo de coesão previsto na Lei das Finanças
Regionais para auxílio às regiões ultraperiféricas. Estas práticas constituem
uma violação grave das cláusulas antiabuso previstas na Lei Geral Tributária,
das medidas de diligência obrigatória para identificação dos beneficiários finais
estipuladas na diretiva comunitária sobre branqueamento de capitais, das normas
internacionais de conformidade bancária e das regras da OCDE que regulam os
preços de transferência.
O offshore
da Madeira, que sempre teve fortes ligações ao escritório de advogados da
Mossack Fonseca, coloca Portugal na rota da batota fiscal internacional. O que
poderia ser um instrumento estratégico de criação de emprego e desenvolvimento
regional não passa de um viveiro do crime organizado para as máfias
internacionais lavarem dinheiro e um ninho de corrupção que protege as fortunas
de uma elite de piratas e terroristas fiscais ávidos por transferir a carga
tributária para os pequenos contribuintes.
O
argumento da legalidade é uma questão de poder e não de justiça. Quando a lei
não é igual para todos, os cidadãos têm de exigir que os políticos mudem a lei.
Caso contrário, teríamos de voltar a legitimar a escravatura, o apartheid, o colonialismo, o Holocausto, a
impossibilidade de as mulheres exercerem o direito de voto e outras leis que
apenas existiam, e existem, para ocultar fortunas de uma minoria rica e
poderosa que capturou a economia e o poder político.
O
que diferencia um estadista de uma marioneta partidária é a vontade e a coragem
de fazer o que é correto na política em detrimento do politicamente correto.
(*) João Pedro Martins, economista e
investigador
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