O
texto seguinte é justamente a transcrição de um artigo de opinião que a
socióloga Luísa Schmidt (LS) assina no “Expresso” deste sábado, com o muito
apropriado título A quimera do óleo.
De facto constitui uma ilusão do tamanho do mundo a ideia largamente propagandeada
de que a extracção de petróleo em Portugal nos irá proporcionar combustíveis
mais baratos e encher o país de riqueza. Num texto tão curto quanto tem de ser
um artigo de opinião para introduzir num jornal, LS diz tudo quanto é
necessário para desmistificar qualquer fantasia que tenha a ver com um
imaginário benefício que os portugueses venham a ter pela extracção de petróleo
no nosso país.
Mesmo
importante é retermos que “a ideia desviada de que Portugal fica rico porque
afinal tem petróleo, se tiver algum, é uma quimera”.
A
questão da extração do petróleo em Portugal — particularmente a do furo ao
largo de Aljezur — alastra. A conversa tornou-se, aliás, oleosa. Olhemos, pois,
para ela a alguma distância, para não fazer nódoas.
A
utilização do petróleo e dos seus inúmeros derivados é coisa que não vai acabar
amanhã, mas é mais do que certo que, cedo ou tarde, e quanto mais cedo melhor,
o petróleo deixará de ser desperdiçado a fazer andar transportes. As energias
renováveis e, por isso, sustentáveis, cobrirão uma percentagem crescente das
exigências energéticas de uma sociedade de alta tecnologia e de sistemas de
informação.
A
este processo de mudança chama-se transição energética e dele depende uma coisa
bem simples e essencial: o futuro da espécie humana e de muitas outras que nos
acompanham num planeta cujos ciclos estão assustadoramente perturbados pela
queima de combustíveis fósseis, entre eles o petróleo. Já não é controverso.
Portugal
é um país que se colocou depressa e bem na linha da frente da investigação
científica, da aplicação tecnológica e do desenvolvimento industrial dessas
energias renováveis que substituirão cada vez mais a queima do petróleo. É uma
vantagem que temos e que está virada para o futuro. Falta-lhe agora é um
estímulo vigoroso à mobilidade elétrica e à eficiência energética.
Ora
bem, perante isto, o Governo, apesar de ter assinado os Acordos de Paris,
prepara-se para autorizar a prospeção do petróleo. Em traços gerais, é como se
puséssemos a Autoeuropa a montar carros de bois... Um verdadeiro anacronismo.
Esta
situação aparece hoje envolta num novelo de obscuridades que se tenta passar
para a opinião pública num festival de milhões, tanto de barris como de euros.
Ora, o petróleo eventualmente a extrair em Portugal não é português — é dos
consórcios internacionais que o vão transformar e comercializar segundo os
sistemas e aos preços internacionalmente consagrados. A haver petróleo em
Portugal ele nem vai ser ‘nosso’, nem a gasolina para os carros vai ficar mais
barata.
Dir-se-ia
que o que importa são as rendas, os impostos, as royalties... Mas, justamente,
o Estado português fez contratos de tal modo ruinosos na atribuição destas
concessões, que a percentagem que lhe vai caber é ridícula e quase
insignificante quando distribuída ao longo dos muitos anos de concessão.
Contudo, se os benefícios a auferir são poucos, distribuídos por muito tempo e
muito provavelmente ínfimos dado os mais do que duvidosos valores a realizar,
já os riscos ambientais são reais e na prática correm totalmente por nossa
conta. Não há indemnização que efetivamente compense os estragos produzidos por
um derrame, mesmo pressupondo, por fantasia, a celeridade das seguradoras e dos
tribunais.
E
tudo isto se prepara no momento em que ganha ascensão no nosso país a economia
do mar em larga medida muito dependente dos equilíbrios ecológicos: das pescas
à indústria farmacêutica, do turismo às novas descobertas de outros valiosos
recursos, tanto na chamada coluna como no fundo do mar.
A
ideia desviada de que Portugal fica rico porque afinal tem petróleo, se tiver
algum, é uma quimera. É hoje a nossa quimera do óleo e, tal como a quimera do
ouro foi sobretudo uma história de pobrezas, também esta é para isso que nos
pode empurrar.
Entretanto,
esperemos que o ministério do Ambiente exista e decida a imperativa necessidade
de uma avaliação de impacte ambiental sobre o furo de prospeção em Aljezur,
feita, claro, por uma entidade independente e não pelos interessados. A decisão
tem que estar tomada até 13 de maio. Valha-nos Nossa Senhora!
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