Com
a aproximação do dia 14 de Abril, data em que terá lugar na Praça Camões, em Lisboa
a manifestação “Enterrar de
Vez o Furo, Tirar as Petrolíferas do Mar”, torna-se muito importante uma forte
mobilização das pessoas para que votem com os pés, na rua, contra a insanidade
governamental que constitui a autorização da “prospecção e exploração petrolífera
no mar do Algarve e do Alentejo”, dando maior força a movimentos sociais e
populares para garantirem justiça, democracia e um futuro em que não esteja em
perigo a sobrevivência de todas as espécies que povoam o nosso planeta, em
particular a espécie humana.
O artigo que João Camargo (*) assina no “Público” de
hoje, e que transcrevemos a seguir, vem em muito boa hora para ajudar à mobilização
popular para defesa de uma causa que é universal e da qual ninguém se deve
excluir.
Chegará em breve ao fim uma consulta pública inédita
em Portugal: sabendo-se que há impactos na perfuração oceânica ultra-profunda à
procura de petróleo e gás em Portugal, o Governo mandou perguntar aos cidadãos
se é necessária uma avaliação de impacto ambiental. No dia 16 de Abril chega ao
fim este período de mês e meio em que se pergunta os cidadãos se é para cumprir
a lei, ou se o regabofe da passadeira vermelha estendido às petrolíferas é a
única e insana política pública deste Governo.
É difícil acreditar que o Governo decida cumprir a lei
e avalie o impacto ambiental de uma das indústrias mais poluidoras que alguma
vez existiu, já que teve oportunidade para parar este furo inúmeras vezes, até
com participações públicas multitudinárias de oposição ao furo. Ainda assim,
vale a pena responder no site participa.pt
ou anossavoz.pt.
É nosso dever, enquanto sociedade, agir contra a
insanidade. Contra a insanidade económica, contra a insanidade política, contra
a insanidade institucional. Explico-me. Poderíamos estar a falar de
inconsciência, poderíamos estar a falar de desconhecimento, poderíamos estar a
falar de corrupção. Mas não, do que falamos é de insanidade perante uma clareza
científica sem paralelo: existem alterações climáticas, provocadas pela
Humanidade, que estão a aquecer o planeta a uma velocidade inaudita desde que
há civilização humana; a maneira como estamos a aquecer o planeta dramaticamente
provém directamente da queima de petróleo, gás e carvão, que liberta dióxido de
carbono e metano para a atmosfera.
Existem alguns mecanismos institucionais para tentar
combater esta insanidade: o Acordo de Paris previa manter o aumento da temperatura
abaixo dos 1,5º-2ºC até 2100. Tal como ocorreu com o Protocolo de Quioto,
dificilmente os mecanismos do acordo servirão para garantir que a subida se
detém nos 2ºC, porque deixam à opção de cada Estado cortar emissões como
calhar, o que geralmente ocorre da maneira mais simples de todas: sob a pata
das petrolíferas e das energéticas, os governos não cortam emissões.
Como os cientistas sabem fazer contas, temos um
orçamento de carbono bastante mais credível que os orçamentos nacionais e
comunitários usados para guiar o investimento, o desemprego, os cortes, as
políticas públicas em geral. O orçamento de carbono diz-nos exactamente quanto
de combustíveis fósseis podemos queimar até atingirmos um aumento de
temperatura de 1,5ºC e 2ºC. Para mantermos o aumento da temperatura abaixo dos
2ºC, podemos emitir perto de 330 gigatoneladas de dióxido de carbono. Em termos
de previsões, com o actual nível de emissões chegaremos ao aumento de 1,5ºC em
2022 e ao aumento de 2ºC em 2037.
Entre empresas e Estados, conhecem-se hoje reservas de
petróleo, gás e carvão suficientes para emitir perto 2800 gigatoneladas de
dióxido de carbono. Segundo a sanidade, 80% destas reservas não podem ser
exploradas para conseguirmos manter a temperatura abaixo dos 2ºC. Estes 2ºC são
identificados como “barreira” a partir da qual se desencadearão fenómenos
climáticos irreversíveis, alterações climáticas descontroladas e catastróficas,
o “runaway climate change”.
Quando o Governo de António Costa autoriza a
prospecção e exploração petrolífera no mar do Algarve e do Alentejo, e em terra
em Alcobaça, manda tudo isto às malvas. É que essas reservas, a existir, nem
sequer são das que não podemos queimar, vão ainda além destas. É pensar além do
inferno, além dos piores cenários. Mas esta insanidade tenta racionalizar: o
primeiro-ministro disse-nos que o país será “carbono neutro” até 2050, mas
quando se questiona como é que a exploração de petróleo e gás entraria na
equação, a resposta é que se esse petróleo e gás for queimado noutro país (o
que seria o mais provável, qualquer descoberta ser obviamente enviada para o
comércio internacional, sem qualquer impacto económico local), as emissões
contariam noutro lado. A insanidade é achar que se pode resolver a questão das
alterações climáticas com os truques contabilísticos com que se manipulam
orçamentos, défices e dívidas. As instituições existem principalmente para
garantir a manutenção do statu quo, mesmo que isso garanta o colapso da
sociedade, o que é insano.
A História recorda-nos que votar com os pés, na rua, é
sempre a maior força que movimentos sociais e populares têm para garantir
justiça, para garantir democracia, para garantir futuro, para combater a
insanidade. A manifestação “Enterrar de Vez o Furo, Tirar as Petrolíferas do
Mar”, no dia 14 de Abril na Praça Camões, em Lisboa, é o próximo momento de
manifestar publicamente e colectivamente a resolução de não permitir que o furo
de petróleo em Aljezur ocorra, marcando desde já a certeza que não serão
somente legalidades duvidosas, fraudes à participação, a resignação a factos
consumados ou a insanidade institucional que determinarão o futuro da
exploração de petróleo e gás em Portugal.
(*) Investigador em
alterações climáticas
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