Caso
não se venha a provar que o ataque com armas químicas levado a cabo contra
populações indefesas sírias é obra do regime de Assad, então, o ataque perpetrado
conta a Síria pelos EUA com o apoio de França e Reino Unido tem um cheiro do
que aconteceu no Iraque em 2003 com a invasão daquele país por uma coligação
internacional liderada – para não variar – pelos EUA.
Além
do mais, uma das tristes conclusões que, desde já, é fácil tirar é que na
actual guerra que se trava na Síria os únicos bons que se encontram no terreno
são as populações vítimas de brutais agressões de toda a espécie. Todos os
outros são gente pouco recomendável apesar de alguns serem protegidos pela
propaganda ocidental, leia-se amigos dos EUA. Basta consultarmos grande parte da
comunicação social escrita e/ou falada para nos apercebermos como são
designadas as partes beligerantes na Síria.
No
seguinte artigo de opinião que recolhemos do “Público” de hoje, Marisa Matias
faz uma análise lúcida da situação actualmente reinante na Síria.
O recente lançamento de 100 mísseis sobre a Síria, a mando dos
Estados Unidos, da França e do Reino Unido, é apenas mais um triste episódio da
tragédia que se abateu sobre o povo sírio. Não faltaram as vozes que ecoaram:
“finalmente uma resposta”. Nada mais errado. O ataque de mísseis nada
resolve a adia a solução política e diplomática que o povo sírio há tanto tempo
merece. Repudiar este ataque não é em nada sinónimo de apoiar a política de
Assad ou de não querer derrotar o terrorismo na região. Repudiar e condenar
este ataque tem a mesma importância que repudiar e condenar o uso de armas
químicas ou os sucessivos ataques contra o povo sírio. Nesta história, não há
lideranças boas e más. São todas más.
A guerra alimenta-se a si própria. Trump enfrenta problemas nos
Estados Unidos com as investigações que o FBI continua a conduzir a seu
respeito e com a sua queda de popularidade, Theresa May enfrenta problemas com
as consequências e as negociações do Bexit, Macron enfrenta problemas com os
trabalhadores franceses e com a sua própria incapacidade política. Três líderes
fragilizados nos seus países resolveram, sozinhos, que dar seguimento à
tragédia síria seria o seu principal desígnio. Não consultaram nenhum dos seus
respectivos órgãos de soberania - fazendo da democracia um detalhe do passado -
e ridicularizaram de uma assentada os esforços das Nações Unidas e do seu
Secretário-Geral, António Guterres. Só a ingenuidade pode permitir pensar que o
objectivo é a paz na Síria. Se o objectivo fosse a paz, onde estiveram e o que
têm feito nas Conversações de Genebra lideradas pelas Nações Unidas e pelo seu
representante Staffan de Mistura? Se o objectivo fosse a paz, onde estiveram e
o que fizeram aquando da Cimeira de Astana? Se o objectivo fosse a paz, onde
estiveram e o que fizeram na Conferência de Sochi, cujo objectivo era
precisamente um plano para a paz e os britânicos boicotaram? Se o objectivo
fosse a paz, por que razão estes países, que são das maiores potências de
armamento mundial, se recusaram a suspender a venda de armamento para os países
que alimentaram e alimentam o terrorismo.
Há
pouco tempo, Donald Trump decidiu retirar as tropas americanas da Síria,
chegando mesmo a declarar que se a Arábia Saudita as quisesse manter que as
pagasse. Mas, entretanto, contratou John Bolton para seu conselheiro (sim, o
mesmo de Bush e um dos "ideólogos" da guerra do Iraque) e conversou
com Macron. Tudo mudou, uma vez mais. Como já referi, a guerra alimenta-se da
guerra e estes três líderes estão a precisar de “mostrar quem manda”.
A
posição da União Europeia foi igualmente penosa. Da Comissão ao Parlamento,
declaram-se intenções de que a “Europa deve falar a uma só voz”. Curiosamente,
ou não, a União Europeia é - e foi na hora da decisão - absolutamente
irrelevante e daí a tentativa desesperada de não ficar de fora de uma
fotografia por muito má que ela seja. Os líderes europeus perceberam, mais uma
vez, que ninguém lhes liga nenhuma.
Uma das tragédias da Síria é estar no sítio onde está. É ponto
de passagem de muitos interesses e as grandes potências tanto mundiais como
regionais querem ocupar o “caminho” que por aí passa. Após 2011, e na sequência
das sucessivas revoltas que tiveram lugar nos países do Magreb e do Maxereque,
poderia apostar-se que a Síria seria um dos países onde mais facilmente se
encontrariam soluções políticas. Não foi assim. Assad mandou disparar contra o
seu povo, todos os actores internacionais quiseram tomar partido e armou-se até
aos dentes todo o tipo de grupos, reemergindo em força o terrorismo. Morreram
centenas de milhares de pessoas, milhões tiveram que fugir. Na altura em que
foi preciso demonstrar solidariedade com as pessoas que fugiam à guerra e ao
terrorismo, a União Europeia e as grandes potências internacionais ditas
democráticas e defensoras da Carta dos Direitos Humanos viraram a cara. Como se
nada fosse, permitiram que se produzisse a maior crise humanitária de
refugiados da história. As pessoas que se viram forçadas a deixar as suas casas
foram ainda usadas por muitos dos países ditos democráticos e defensores dos
direitos humanos para acicatar o discurso do ódio, do racismo, da xenofobia.
Quando mais precisaram, ninguém quis saber dos sírios. Como hoje. Quem se
levanta para aplaudir uma clara violação do direito internacional continua a não
querer saber do povo sírio.
É preciso ter coragem e
força de condenar este ataque, a mesma força e coragem que alguns têm tido para
condenar a acção de Bashar Al Assad e da Rússia. O único lado que há para
defender é mesmo o do povo sírio. O mundo está a ser comandado por loucos. Se
aceitarmos fazer-lhes companhia, somos cúmplices.
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