A
famigerada obsessão pelo défice, tão criticada durante o Governo PSD/CDS aí
está de novo a ser aplicada em força pela mão de Mário Centeno, com a agravante
de não haver qualquer imposição de Bruxelas nesse sentido. Mas, o mais grave é
que a nova meta imposta pelo Governo (0,7% do PIB) entra em colisão com o que
ficou acordado nas negociações do OE 2018 (1% do PIB), o que significa que a
folga orçamental agora conhecida, superior a 500 milhões de euros, não poderá
ser aplicada na superação de necessidades prementes em várias áreas, de que
destacaremos a saúde e a educação. E não é por falta de chamadas de atenção provenientes
de diversas personalidades e sectores. Em particular, o BE tem sido muito
insistente em realçar que, por um lado não há qualquer imposição externa que
obrigue a uma redução tão drástica no défice e, por outro, há que ter em conta
que os portugueses já estão fartos de sacrifícios, para mais, não havendo
necessidade.
De
uma forma caricatural, esta obsessão pelo défice também faz lembrar os “cofres
cheios” do tempo de Salazar, com tudo por fazer em prol das populações.
O
texto seguinte, assinado por Pedro Filipe Soares, líder parlamentar do BE, é
muito claro em relação ao que devia ser o aproveitamento da folga orçamental de
mais de 500 milhões de euros relativamente a muitas necessidades prementes dos
portugueses.
Segundo
Costa/Centeno, até parece que vivemos num mar de rosas, com todos os nossos
problemas essenciais resolvidos...
O ministro das Finanças apresentou ao Governo (e fez
aprovar em Conselho de Ministros) o Programa de Estabilidade 2018-2022. Este
documento macroeconómico serve para enviar a Bruxelas os grandes números das
escolhas económicas dos próximos anos, em que se antevê o desempenho da
economia, contas públicas, etc.
Mário Centeno propõe a revisão da meta do défice para
2018, passando do 1% previsto em novembro para 0,7% do PIB. Esta redução do
défice significa uma folga orçamental para 2018 superior a 500 milhões de
euros, face ao que o Governo antecipava há quatro meses.
Por que é que existe uma folga orçamental em 2018? A
economia cresceu mais do que o Governo esperava em 2017 e essa atividade
económica refletiu-se positivamente nas contas públicas. As receitas fiscais
beneficiaram da melhoria económica e cresceram mais do que o previsto. Por outro
lado, a criação de emprego tem um efeito positivo nas contas da Segurança
Social, representando mais receitas e menos despesa. Há mais pessoas a
descontar mensalmente e menos pessoas a receber apoios sociais. Uma outra ajuda
veio do exterior: o país beneficiou da redução internacional das taxas de juro,
conseguindo uma poupança assinalável.
A melhoria das contas públicas em 2017 tem um efeito
positivo nas contas de 2018, dado que o ponto de partida passou a ser
diferente. Neste caso em concreto, a folga é superior a 500 milhões de euros.
A revisão do défice é exigida pela Comissão Europeia?
Não há nenhuma imposição europeia para a revisão das metas do défice. O Governo
acordou em outubro passado a meta do défice para 2018 com a Comissão Europeia.
Esse acordo foi alcançado sem grandes dificuldades, tendo sido aceite a meta de
défice de 1%. O Orçamento do Estado para 2018 está “amplamente de acordo com a
previsão de outono da Comissão”, disse o comissário europeu dos Assuntos
Económicos, Pierre Moscovici, acrescentando que “as coisas estão a dirigir-se
na direção certa”.
A meta de redução da dívida também foi acordada com
Bruxelas, fazendo parte dos dados macroeconómicos escrutinados nesse período.
Um outro aspeto, muito técnico é certo, prende-se com o saldo estrutural
(cálculo do saldo orçamental depois de retirados os efeitos de ciclo económico
e as medidas temporárias). Mas, até neste ponto, a situação é positiva, porque
o aumento recente do PIB potencial do país ajuda ao cumprimento deste critério.
As agências de rating estão à espera de uma
revisão das metas do défice? As agências de notação “adoraram” o Orçamento do
Estado para 2018 e os seus objetivos orçamentais. Por isso mesmo, uma após
outra, foram retirando Portugal do nível “lixo”. É certo que todas apontam a
fragilidade que Portugal pode ter com o elevado nível de dívida. É uma verdade
de La Palice, todos o sabemos, mas isso não retirou confiança à proposta
orçamental.
Os juros da dívida pública também evoluíram
positivamente com o debate orçamental para 2018 e com a sua consequente
execução. Não há nenhuma instabilidade nos “mercados” por causa das metas
orçamentais previstas ou pelas decisões políticas em curso.
O crescimento da economia pode ajudar os serviços
públicos? Pode e deve. O que se espera é que, quando a economia melhore, as
contas públicas também melhorem. E espera-se que, quando as contas públicas
melhorem, os serviços públicos sejam reforçados. Tem sido afirmado vezes demais
que não há dinheiro. Não há dinheiro para a Saúde, não há dinheiro para a
Educação, não há dinheiro para a Cultura, etc. Ora, agora que a economia
cresceu mais do que o previsto, verifica-se que há dinheiro para investir onde
ele faz muita falta. Basta olhar para as dificuldades nos hospitais, para as
listas de espera, para perceber como essa tem de ser uma prioridade nacional.
Qual era o compromisso do Governo? Quando discutimos o
Orçamento do Estado para 2018, António Costa dizia: “Temos vontade de reforçar
o investimento na área da Cultura, da Educação, da Saúde e da Ciência.” Mas,
logo depois, recusava a ideia de uma “folga financeira” e a perspetiva de dar
“um passo maior do que a perna”. Por isso não se avançou mais e os serviços
públicos ainda não tiveram a dotação financeira necessária.
Ora, agora que se prova que temos uma folga
financeira, espera-se que o Governo cumpra a “vontade de reforçar o
investimento”. Os serviços públicos têm sido vítimas de cativações e vetos de
gaveta do Terreiro do Paço. Agora, há uma folga que permite uma ação concreta
de revitalização do Estado social.
Ninguém acusa o Governo de rever as metas de despesa
ou de receita, não é isso que se passa. O Governo desvia-se do compromisso e da
sua vontade expressa de reforço do investimento público.
Por que está Mário Centeno errado? Porque considera
que uma política orçamental restritiva é o garante dos juros baixos para a
dívida pública. Há nesta ideia um erro técnico e um erro político. O erro
técnico tem que ver, eventualmente, com o desconhecimento da forma como o
mercado de dívida pública funciona.
A partir do momento em que Portugal saiu do “lixo”,
nível a que estava votado pelas agências de rating, passou a ter a sua
dívida pública como investimento elegível para um alargado leque de fundos.
Isto acontece num momento avançado de um período em que as dívidas públicas têm
sido um grande foco de investimento. Mas, como as regras destes fundos
financeiros obrigam a uma grande variedade de dívida detida e já tinham
atingido o plafond para muitas das origens disponíveis, a dívida
portuguesa aparece como uma nova forma de diversificar essas carteiras de
ativos. Parece estranho, mas é um benefício pelo facto de o nosso país ter
ficado fora dos mercados de dívida pública durante mais de cinco anos. Num
futuro próximo, esta conjuntura até pode levar a uma evolução positiva do
diferencial entre as taxas de juro do nosso país e as de outros países de
referência.
O erro político é considerar que, numa conjuntura
europeia e internacional de enorme instabilidade, onde as crises políticas se
avolumam e as guerras se avizinham, alguém exigirá a Portugal mais do que tinha
sido acordado por todos há quatro meses.
A
discussão é sobre o Orçamento do Estado para 2019? Não, é sobre estabilidade.
Estabilidade na execução de um orçamento que apenas está em curso há quatro
meses, estabilidade nos compromissos políticos assumidos na negociação
orçamental, estabilidade na vida das pessoas que só pode ser garantida com
serviços públicos de qualidade.
É
estranho, por isso mesmo, o Presidente da República querer criar uma crise
sobre o Orçamento do Estado para 2019, quando o que está a ser discutido é a
meta de défice para 2018 — aliás, o documento que foi assinado há quatro meses
por Marcelo e que agora, unilateralmente e sem qualquer benefício, o Governo
quer rever. Se o Presidente da República quer ser o baluarte da estabilidade,
então, a única posição está bem à vista e é a que defende as pessoas e os
serviços públicos.
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