domingo, 29 de abril de 2018

PAGAMENTO GENEROSO DE DIVIDENDOS…



Coisa impensável até não há muito tempo é que empresas cotadas na Bolsa estejam a pagar generosos dividendos aos seus accionistas, muito para além das suas possibilidades. Esta situação foi conhecida através de uma investigação do insuspeito “Jornal de Negócios” e serve de ponto de partida para o artigo que Francisco Louçã assina no “Expresso” Economia deste sábado, cuja leitura recomendamos vivamente por se encontrar numa linguagem acessível a qualquer pessoa, mesmo a menos versada em temas de economia.
Agora os números confirmam o meu receio, que quem lê esta coluna já conhece e me pode ter levado a mal. Parece que se chama a isto racionalidade, a que alguns meios científicos atribuem mesmo poderes divinatórios e omniscientes. Então, a fábula ia assim: as administrações das empresas, escolhidas e reeleitas pela assembleia geral, usam o seu melhor critério e a sua mais racional informação para a decisão mais estratégica, a que orienta o pagamento de dividendos aos acionistas, e a soma de todas essas decisões em mercado livre e com agentes motivados pelo seu benefício próprio conduz à felicidade geral. Em Portugal, isto quer dizer este ano que, tendo o produto de toda a economia aumentado 2,5%, os dividendos nas principais empresas aumentam em 20%, para mais de dois mil milhões de euros.
Dizem alguns analistas que este bodo aos acionistas exprime o receio de uma recuperação lenta e mais vale pássaro na mão do que a voar. Ingenuidade. Esta utilização dos lucros das empresas representa antes uma escolha social em prejuízo do investimento. Se os dividendos esgotam ou até superam os resultados, as empresas são forçadas a reduzir as suas reservas para os pagarem e, se querem investir, terão de o fazer recorrendo a dívida, uma das maleitas da economia portuguesa. Pouco capital próprio é a consequência de excesso de dividendos generosos. Muita dívida e custos financeiros vulneráveis é a consequência da consequência.
Este retrato é cristalino no caso do PSI20. Algumas destas empresas reduziram os resultados e aumentaram os dividendos: é o caso da Jerónimo Martins, que entrega todo o seu lucro aos acionistas, como  a Nova-base ou a F. Ramada. Há empresas que pagam dividendos mesmo com prejuízos, como a Sonae Capital. Outras que pagam mais em dividendos do que o que obtiveram em lucros, como os CTT ou a NOS. Outras que pagam três quartos dos lucros (Galp), dois terços (Altri), metade (Sonae SGPS e Sonaecom) ou um terço (Amorim, que tem menos lucros do que no ano anterior, mas paga mais dividendos), tudo segundo uma investigação do “Jornal de Negócios”.
Há uma interpretação simplista que diz que os administradores se limitam deste modo a melhorar as suas possibilidades de serem reeleitos, levando à assembleia geral propostas agradáveis para os acionistas. Pode ser. Mas estamos no tempo em que as empresas cultivam a imagem da inovação, em que o Governo elogia o investimento, em que os programas de financiamento favorecem a criação de capacidade produtiva e mesmo do emprego. Assim, ao contrário, estes números demonstram mais do que uma operação de sedução, indicam a visão de uma economia extrativa, em que a empresa é uma mina, o trabalho é um filão e o investimento é um direito passado e uma renda futura. Com este PSI20, Portugal não precisa de inimigos.

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