Coisa
impensável até não há muito tempo é que empresas cotadas na Bolsa estejam a
pagar generosos dividendos aos seus accionistas, muito para além das suas
possibilidades. Esta situação foi conhecida através de uma investigação do
insuspeito “Jornal de Negócios” e serve de ponto de partida para o artigo que Francisco
Louçã assina no “Expresso” Economia deste sábado, cuja leitura recomendamos
vivamente por se encontrar numa linguagem acessível a qualquer pessoa, mesmo a
menos versada em temas de economia.
Agora
os números confirmam o meu receio, que quem lê esta coluna já conhece e me pode
ter levado a mal. Parece que se chama a isto racionalidade, a que alguns meios
científicos atribuem mesmo poderes divinatórios e omniscientes. Então, a fábula
ia assim: as administrações das empresas, escolhidas e reeleitas pela
assembleia geral, usam o seu melhor critério e a sua mais racional informação
para a decisão mais estratégica, a que orienta o pagamento de dividendos aos
acionistas, e a soma de todas essas decisões em mercado livre e com agentes
motivados pelo seu benefício próprio conduz à felicidade geral. Em Portugal,
isto quer dizer este ano que, tendo o produto de toda a economia aumentado
2,5%, os dividendos nas principais empresas aumentam em 20%, para mais de dois
mil milhões de euros.
Dizem
alguns analistas que este bodo aos acionistas exprime o receio de uma
recuperação lenta e mais vale pássaro na mão do que a voar. Ingenuidade. Esta
utilização dos lucros das empresas representa antes uma escolha social em
prejuízo do investimento. Se os dividendos esgotam ou até superam os
resultados, as empresas são forçadas a reduzir as suas reservas para os pagarem
e, se querem investir, terão de o fazer recorrendo a dívida, uma das maleitas
da economia portuguesa. Pouco capital próprio é a consequência de excesso de
dividendos generosos. Muita dívida e custos financeiros vulneráveis é a
consequência da consequência.
Este
retrato é cristalino no caso do PSI20. Algumas destas empresas reduziram os
resultados e aumentaram os dividendos: é o caso da Jerónimo Martins, que
entrega todo o seu lucro aos acionistas, como
a Nova-base ou a F. Ramada. Há empresas que pagam dividendos mesmo com
prejuízos, como a Sonae Capital. Outras que pagam mais em dividendos do que o
que obtiveram em lucros, como os CTT ou a NOS. Outras que pagam três quartos
dos lucros (Galp), dois terços (Altri), metade (Sonae SGPS e Sonaecom) ou um
terço (Amorim, que tem menos lucros do que no ano anterior, mas paga mais
dividendos), tudo segundo uma investigação do “Jornal de Negócios”.
Há uma interpretação simplista que diz
que os administradores se limitam deste modo a melhorar as suas possibilidades
de serem reeleitos, levando à assembleia geral propostas agradáveis para os
acionistas. Pode ser. Mas estamos no tempo em que as empresas cultivam a imagem
da inovação, em que o Governo elogia o investimento, em que os programas de
financiamento favorecem a criação de capacidade produtiva e mesmo do emprego.
Assim, ao contrário, estes números demonstram mais do que uma operação de
sedução, indicam a visão de uma economia extrativa, em que a empresa é uma
mina, o trabalho é um filão e o investimento é um direito passado e uma renda
futura. Com este PSI20, Portugal não precisa de inimigos.
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