Por
altura da comemoração dos 32 anos do acidente nuclear de Chernobyl, António Eloy (*),
o eterno lutador pela causa anti-nuclear, assina no “Público” de ontem um
interessante artigo de opinião cuja leitura se recomenda a todos pois trata-se
de mais uma chamada de atenção para as consequências da utilização da energia
nuclear e a necessidade de lançamento de novos paradigmas na área das energias.
Se
em Portugal o programa nuclear se pode considerar morto, a verdade é que em
Espanha está apenas congelado e, em qualquer momento, pode ser reactivado, com
o consequente perigo que isso significa para nós, como é frequentemente
recordado em relação a Almaraz. Por outro lado, não podemos esquecer que todos
aqueles que se encontram envolvidos na luta anti-nuclear são aliados de
primeira água dos que se opõem à exploração de petróleo em Portugal quer seja
em terra ou no mar. Estas duas partes defendem com tenacidade a exploração de
energias renováveis como uma forma, entre outras, de serem supridas as nossas
necessidades energéticas. Trata-se de uma luta por idênticos objectivos.
A luta anti-nuclear está no coração do pensamento e
acção ecologista. No 32.º aniversário do acidente de Chernobyl, é importante
deixar alguns registos.
Em Portugal continuávamos sob a ameaça de instalação
de centrais nucleares. Eu, na altura, frequentava um excelente mestrado entre o
IST e o ISEG sobre Economia de Energia e no ínicio dessa semana tínhamos
começado o módulo sobre energia nuclear. Desloquei-me à Holanda no dia 27, a
uma reunião do executivo internacional dos Friends of the Earth International e
voltei com os ventos. O acidente que o professor do módulo tinha jurado não
poder ocorrer, com muita contestação... tinha ocorrido. A ameaça de chumbo,
pessoal, pairou... mas nada voltou a ser como antes.
O risco da nuclear, a incapacidade de pagar os
prejuízos, a ausência, que já se verificava desde Three Mille Island, de
seguros ou re-seguros para a produção, o aquecimento de água baseada no calor
da fissão do atomo, a devastação ecológica, os mortos, muito mais que o registo
da dependência da Agência de Energia Nuclear que é a Organização Mundial da
Saúde, foram um tiro mortal nesta indústria.
E a economia, o mercado, acabaram com a nuclear. Em
Espanha o programa nuclear foi congelado e em Portugal, salvo umas almas
penadas que de vez em quando o procuram iluminar, também chegou ao fim.
Demos a nossa ajuda e empenho e já na altura
procurámos aliados e lançámos ideias e projectos para outros desenvolvimentos,
novos paradigmas energéticos e sociais.
A eficiência energética, a conservação da energia e,
claro, as renováveis são pilares da ruptura com a lógica produtivista e
meramente financeira da nuclear, mas com os custos desta a serem suportados
pelo Estado, isto é, nós todos, seja os do desmantelamento, seja o risco, seja
a guarda, por milhões de anos dos resíduos, não há nada mais contra o mercado
que a nuclear, mas já sabemos como funciona o sistema...
Mas a luta anti-nuclear, base do pensamento
ecologista, estende-se ao ordenamento do território, à defesa da ruralidade e
das paisagens adequadamente estruturadas, à luta contra o urbanismo à
pato-bravo e a errada florestação do nosso país e das indústrias desta
resultantes, articula-se com a luta contra as alterações climáticas de que a
nuclear é uma poderosa aliada (além das emissões desta resultantes de todo o
seu processo, os investimentos nesta impedem o desenvolvimento de novas
energias), a luta pela defesa da biodiversidade (embora haja mais espécies na
terra de ninguém de Chernobyl, os animais sofrem, aí, de todas as patologias e
degenerescências...) e pela sustentabilidade.
Hoje estamos numa nova encruzilhada. O Movimento
Ibérico Anti-nuclear (M.I.A.) que marca o renascimento de velhas lutas na
Península Ibérica e que marcou o Forum Mundial Anti-nuclear de Paris, no ano
passado, e ficou de organizar o próximo Forum em Madrid, encontra-se
necessitado de definir uma estratégia nova e ter um eixo de acção abrangente e
determinado.
Em Portugal temos clareza de acção, uma linha de
coerência e identidade, assim como capacidade organizativa. Em Espanha
continuamos a viver o drama dos grupinhos, dos territórios, de velhas ideias
mesmo quando disfarçadas.
Temos, vamos alterar, também este paradigma e
reforçar-nos no quadro de uma ampla discussão interna.
O M.I.A. tem que seguir com capacidade de falar com
todos, do PP ao Podemos passando pelo PSOE e os Ciudadanos, como por cá nos
relacionamos do CDS ao PCP, passando pelo PS, PSD, Bloco, Verdes e PAN, e temos
que confrontar as empresas titulares das nucleares, não só nas ruas mas também
nos gabinetes, desenvolver alianças e estabelecer pontes, com essas e outras
empresas e com as cooperativas, como a Coopérnico, e a economia social de
mercado.
Não podemos perder-nos nem enredar-nos em
intolerâncias e doutrinas. A luta anti-nuclear e a acção ecologista têm que
ganhar em todos os tabuleiros. Não há alternativa. O Antropoceno poderá ser a
última idade do homem.
O Armagedão, o desastre climático, a alteração dos
sistemas vivos estão nas entrelinhas. Temos que mudar o discurso! E o caminhar.
Não iremos esquecer Chernobyl... Enquanto caminhamos não esquecemos.
(*) Coordenação do Movimento Ibérico Anti-nuclear
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