terça-feira, 24 de abril de 2018

NÃO PODEMOS ESQUECER CHERNOBYL



Por altura da comemoração dos 32 anos do acidente nuclear de Chernobyl, António Eloy (*), o eterno lutador pela causa anti-nuclear, assina no “Público” de ontem um interessante artigo de opinião cuja leitura se recomenda a todos pois trata-se de mais uma chamada de atenção para as consequências da utilização da energia nuclear e a necessidade de lançamento de novos paradigmas na área das energias.
Se em Portugal o programa nuclear se pode considerar morto, a verdade é que em Espanha está apenas congelado e, em qualquer momento, pode ser reactivado, com o consequente perigo que isso significa para nós, como é frequentemente recordado em relação a Almaraz. Por outro lado, não podemos esquecer que todos aqueles que se encontram envolvidos na luta anti-nuclear são aliados de primeira água dos que se opõem à exploração de petróleo em Portugal quer seja em terra ou no mar. Estas duas partes defendem com tenacidade a exploração de energias renováveis como uma forma, entre outras, de serem supridas as nossas necessidades energéticas. Trata-se de uma luta por idênticos objectivos.
A luta anti-nuclear está no coração do pensamento e acção ecologista. No 32.º aniversário do acidente de Chernobyl, é importante deixar alguns registos.
Em Portugal continuávamos sob a ameaça de instalação de centrais nucleares. Eu, na altura, frequentava um excelente mestrado entre o IST e o ISEG sobre Economia de Energia e no ínicio dessa semana tínhamos começado o módulo sobre energia nuclear. Desloquei-me à Holanda no dia 27, a uma reunião do executivo internacional dos Friends of the Earth International e voltei com os ventos. O acidente que o professor do módulo tinha jurado não poder ocorrer, com muita contestação... tinha ocorrido. A ameaça de chumbo, pessoal, pairou... mas nada voltou a ser como antes.
O risco da nuclear, a incapacidade de pagar os prejuízos, a ausência, que já se verificava desde Three Mille Island, de seguros ou re-seguros para a produção, o aquecimento de água baseada no calor da fissão do atomo, a devastação ecológica, os mortos, muito mais que o registo da dependência da Agência de Energia Nuclear que é a Organização Mundial da Saúde, foram um tiro mortal nesta indústria.
E a economia, o mercado, acabaram com a nuclear. Em Espanha o programa nuclear foi congelado e em Portugal, salvo umas almas penadas que de vez em quando o procuram iluminar, também chegou ao fim.
Demos a nossa ajuda e empenho e já na altura procurámos aliados e lançámos ideias e projectos para outros desenvolvimentos, novos paradigmas energéticos e sociais.
A eficiência energética, a conservação da energia e, claro, as renováveis são pilares da ruptura com a lógica produtivista e meramente financeira da nuclear, mas com os custos desta a serem suportados pelo Estado, isto é, nós todos, seja os do desmantelamento, seja o risco, seja a guarda, por milhões de anos dos resíduos, não há nada mais contra o mercado que a nuclear, mas já sabemos como funciona o sistema...
Mas a luta anti-nuclear, base do pensamento ecologista, estende-se ao ordenamento do território, à defesa da ruralidade e das paisagens adequadamente estruturadas, à luta contra o urbanismo à pato-bravo e a errada florestação do nosso país e das indústrias desta resultantes, articula-se com a luta contra as alterações climáticas de que a nuclear é uma poderosa aliada (além das emissões desta resultantes de todo o seu processo, os investimentos nesta impedem o desenvolvimento de novas energias), a luta pela defesa da biodiversidade (embora haja mais espécies na terra de ninguém de Chernobyl, os animais sofrem, aí, de todas as patologias e degenerescências...) e pela sustentabilidade.
Hoje estamos numa nova encruzilhada. O Movimento Ibérico Anti-nuclear (M.I.A.) que marca o renascimento de velhas lutas na Península Ibérica e que marcou o Forum Mundial Anti-nuclear de Paris, no ano passado, e ficou de organizar o próximo Forum em Madrid, encontra-se necessitado de definir uma estratégia nova e ter um eixo de acção abrangente e determinado.
Em Portugal temos clareza de acção, uma linha de coerência e identidade, assim como capacidade organizativa. Em Espanha continuamos a viver o drama dos grupinhos, dos territórios, de velhas ideias mesmo quando disfarçadas.
Temos, vamos alterar, também este paradigma e reforçar-nos no quadro de uma ampla discussão interna.
O M.I.A. tem que seguir com capacidade de falar com todos, do PP ao Podemos passando pelo PSOE e os Ciudadanos, como por cá nos relacionamos do CDS ao PCP, passando pelo PS, PSD, Bloco, Verdes e PAN, e temos que confrontar as empresas titulares das nucleares, não só nas ruas mas também nos gabinetes, desenvolver alianças e estabelecer pontes, com essas e outras empresas e com as cooperativas, como a Coopérnico, e a economia social de mercado.
Não podemos perder-nos nem enredar-nos em intolerâncias e doutrinas. A luta anti-nuclear e a acção ecologista têm que ganhar em todos os tabuleiros. Não há alternativa. O Antropoceno poderá ser a última idade do homem.
O Armagedão, o desastre climático, a alteração dos sistemas vivos estão nas entrelinhas. Temos que mudar o discurso! E o caminhar. Não iremos esquecer Chernobyl... Enquanto caminhamos não esquecemos.
(*) Coordenação do Movimento Ibérico Anti-nuclear

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