quarta-feira, 25 de abril de 2018

“A NOSSA LIBERDADE COMEÇA COM A LIBERDADE DOS OUTROS”



Nada melhor que este dia 25 de Abril para aqui divulgarmos o seguinte texto que transcrevemos do “Público” de ontem, com o sugestivo título Manifesto “Liberdade e pensamento crítico”, subscrito por várias personalidades públicas e muito a propósito para a data que agora celebramos.
O sentido da liberdade vai mudando ao longo do tempo e varia de contexto para contexto. São vários os significados que lhe podemos atribuir, mas todos têm algo em comum: quem luta pela liberdade fá-lo na condição de oprimido e aspira a ser mais feliz, tanto nos espaços públicos como nos espaços privados da intimidade. Que dessa luta fiquem marcas, que alimentem novas ações em prol da liberdade, pois esta é frágil e nunca está garantida.
Nós temos memória do passado e estamos vivos. Podemos ainda narrar o que era a vida dos pobres, dos que queriam liberdade de pensamento e dos que lutavam contra a ditadura no nosso país. Mas a memória não chega. A memória é fragmentada, subjetiva e muitas vezes romântica. Queremos estar no presente e no futuro, num mundo em mudança, com imprevistos e surpresas, mas também com escolhas.
A vida de uma pessoa, entre milhões de humanos, impõe a todos e todas regras de interação social. No entanto, há regras que nos são impostas sem que cada um participe no processo da sua elaboração e que limitam a nossa liberdade física, a sobrevivência, o desenvolvimento e a ação, e a nossa liberdade mental. Disse Goethe: “Ninguém é mais escravo do que aquele que se julga livre sem o ser.”
Há milhões de pessoas que nascem e morrem sem nunca terem sido felizes, porque é impossível sê-lo nas condições em que vivem. As crianças que nascem na pobreza têm fome pela escassez de alimentos ou da sua qualidade. O acesso à chamada solidariedade é sentido desde a infância como um estigma e a desigualdade com os outros da mesma idade não é percetível por qualquer racionalidade, o que leva à revolta e à tristeza. As situações de desemprego, a precariedade, as pensões de miséria, os idosos dependentes e os incapacitados geram um ambiente que dura vidas inteiras, sem uma abertura, sem um pequeno projeto de alegria. Também nas chamadas classes médias a vida é desumana. O trabalho humano tornou-se mercadoria e o critério de produtividade dos acionistas das empresas cabe num programa de computador. As oito horas de trabalho, que a tantas condenações à morte levou em 1886, foram esquecidas e as empresas privadas alargam com ameaças a jornada de trabalho às dez, 12 horas. Esta é a realidade que impede uma vida pessoal condigna. Ora, os computadores têm que ser postos ao serviço do ser humano e não este ao serviço dos computadores. O tempo de trabalho deve diminuir.
Com efeito, a estrutura económica que condicionou a organização social e individual apresenta-se como natural. A ideia de que a sociedade é a soma de indivíduos isolados e competitivos leva à culpabilização individual das pessoas e oculta a organização social que nos é imposta e nos torna cada vez menos livres e capazes de cooperação. O discurso dominante muitas vezes refere o problema da natalidade e a questão da insustentabilidade demográfica do nosso país. Fá-lo para justificar as restrições nas áreas sociais do Estado, mas, sobretudo, para esconder a limitação da liberdade de procriação que a organização social gera. Se é verdade que o direito à saúde sexual e reprodutiva foi um avanço no processo de emancipação das mulheres, não é menos verdade que esse direito lhes está a ser sonegado. As mulheres desapossadas e até mesmo as das chamadas classes médias não estão verdadeiramente livres para escolher ter filhos
Os espaços de intimidade são tão opressivos, produtores de desigualdades sociais e limitadores da liberdade como os espaços públicos. Ao serem representados como “espaços privados” permitem-lhes ocultar as teias invisíveis de uma opressão, silenciosa, resultante de relações de poder reproduzidas ao longo do tempo. Poder que está presente, por exemplo, na violência contra as mulheres e na manutenção da sua invisibilidade social, nas relações parentais e na discriminação e estigmatização de pessoas em função da sua orientação sexual. Desocultar tais opressões, trazendo-as para discussão pública e combatendo-as a partir da assunção dos Direitos Humanos, é um ato de coragem, de todas e todos, no sentido da construção de uma sociedade mais justa e livre.
As pessoas só poderão aspirar à felicidade se o planeta for habitável. Ora a lógica do lucro, que é a lógica do mundo em que vivemos, está a pôr em causa a vida na terra. A estrutura económica fundada nos produtores de armas que não abdicam das matanças locais e mundiais, na lógica da exploração e uso dos combustíveis, na produção de alimentos que não correspondem às necessidades e estão contaminados por produtos suspeitos, está numa marcha que precisa ser travada para além dos discursos.
A nossa liberdade começa com a liberdade de outros.
A liberdade povoa todos os espaços da vida; não pode ter quartos escuros nem armários fechados.
A liberdade não deve permitir que as diferenças sejam hierarquizadas em relações de poder.
A liberdade só existe quando se exerce contínua e diariamente, em cada gesto, em cada ideia, em cada sentimento.
A liberdade é o direito à igualdade com o reconhecimento da diferença.

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