Nada
melhor que este dia 25 de Abril para aqui divulgarmos o seguinte texto que
transcrevemos do “Público” de ontem, com o sugestivo título Manifesto “Liberdade e pensamento crítico”, subscrito por várias
personalidades públicas e muito a propósito para a data que agora celebramos.
O sentido da liberdade vai mudando ao longo do
tempo e varia de contexto para contexto. São vários os significados que
lhe podemos atribuir, mas todos têm algo em comum: quem luta pela liberdade
fá-lo na condição de oprimido e aspira a ser mais feliz, tanto nos espaços
públicos como nos espaços privados da intimidade. Que dessa luta fiquem marcas,
que alimentem novas ações em prol da liberdade, pois esta é frágil e
nunca está garantida.
Nós temos memória do passado e estamos vivos.
Podemos ainda narrar o que era a vida dos pobres, dos que queriam liberdade de
pensamento e dos que lutavam contra a ditadura no nosso país. Mas a memória não
chega. A memória é fragmentada, subjetiva e muitas vezes romântica. Queremos
estar no presente e no futuro, num mundo em mudança, com imprevistos e
surpresas, mas também com escolhas.
A vida de uma pessoa, entre milhões de humanos, impõe
a todos e todas regras de interação social. No entanto, há regras que
nos são impostas sem que cada um participe no processo da sua elaboração e
que limitam a nossa liberdade física, a sobrevivência, o desenvolvimento e a
ação, e a nossa liberdade mental. Disse Goethe: “Ninguém é mais escravo
do que aquele que se julga livre sem o ser.”
Há milhões de pessoas que nascem e morrem sem nunca
terem sido felizes, porque é impossível sê-lo nas condições em que vivem.
As crianças que nascem na pobreza têm fome pela escassez de alimentos ou da sua
qualidade. O acesso à chamada solidariedade é sentido desde a infância como um
estigma e a desigualdade com os outros da mesma idade não é percetível por
qualquer racionalidade, o que leva à revolta e à tristeza. As situações de
desemprego, a precariedade, as pensões de miséria, os idosos dependentes e os incapacitados
geram um ambiente que dura vidas inteiras, sem uma abertura, sem um pequeno
projeto de alegria. Também nas chamadas classes médias a vida é desumana. O
trabalho humano tornou-se mercadoria e o critério de produtividade dos
acionistas das empresas cabe num programa de computador. As oito horas de
trabalho, que a tantas condenações à morte levou em 1886, foram esquecidas e as
empresas privadas alargam com ameaças a jornada de trabalho às dez, 12 horas.
Esta é a realidade que impede uma vida pessoal condigna. Ora, os computadores
têm que ser postos ao serviço do ser humano e não este ao serviço dos
computadores. O tempo de trabalho deve diminuir.
Com efeito, a estrutura económica que condicionou a
organização social e individual apresenta-se como natural. A ideia de que a
sociedade é a soma de indivíduos isolados e competitivos leva à culpabilização
individual das pessoas e oculta a organização social que nos é imposta e nos
torna cada vez menos livres e capazes de cooperação. O discurso dominante muitas
vezes refere o problema da natalidade e a questão da insustentabilidade
demográfica do nosso país. Fá-lo para justificar as restrições nas áreas
sociais do Estado, mas, sobretudo, para esconder a limitação da liberdade de
procriação que a organização social gera. Se é verdade que o direito à saúde
sexual e reprodutiva foi um avanço no processo de emancipação das mulheres, não
é menos verdade que esse direito lhes está a ser sonegado. As mulheres
desapossadas e até mesmo as das chamadas classes médias não estão
verdadeiramente livres para escolher ter filhos.
Os espaços de intimidade são tão opressivos,
produtores de desigualdades sociais e limitadores da liberdade como os espaços
públicos. Ao serem representados como “espaços privados” permitem-lhes ocultar
as teias invisíveis de uma opressão, silenciosa, resultante de relações de
poder reproduzidas ao longo do tempo. Poder que está presente, por exemplo, na
violência contra as mulheres e na manutenção da sua invisibilidade social, nas
relações parentais e na discriminação e estigmatização de pessoas em função da
sua orientação sexual. Desocultar tais opressões, trazendo-as para discussão
pública e combatendo-as a partir da assunção dos Direitos Humanos, é um ato de
coragem, de todas e todos, no sentido da construção de uma sociedade mais justa
e livre.
As pessoas só poderão aspirar à felicidade se o
planeta for habitável. Ora a lógica do lucro, que é a lógica do mundo em que
vivemos, está a pôr em causa a vida na terra. A estrutura económica fundada nos
produtores de armas que não abdicam das matanças locais e mundiais, na lógica
da exploração e uso dos combustíveis, na produção de alimentos que não
correspondem às necessidades e estão contaminados por produtos suspeitos, está
numa marcha que precisa ser travada para além dos discursos.
A nossa liberdade começa com a liberdade de outros.
A liberdade povoa todos os espaços da vida; não pode
ter quartos escuros nem armários fechados.
A liberdade não deve permitir que as diferenças sejam
hierarquizadas em relações de poder.
A liberdade só existe quando se exerce contínua e
diariamente, em cada gesto, em cada ideia, em cada sentimento.
A liberdade é
o direito à igualdade com o reconhecimento da diferença.
Sem comentários:
Enviar um comentário