domingo, 14 de outubro de 2012

FMI À ESQUERDA DO GOVERNO

Os últimos dias trouxeram as piores notícias para Passos Coelho e para a sua equipa, ainda por cima, com origem onde menos se esperaria. Imagine-se que o FMI se colocou “à esquerda” do Governo através da divulgação de um estudo daquela organização onde se chegou à conclusão de que os efeitos recessivos das políticas de austeridade estão sem dúvida mal avaliados. É significativa a afirmação de que “a investigação da equipa do FMI sugere que os cortes orçamentais tiveram efeitos multiplicadores de curto prazo no produto maiores do que se esperava”. Percebe-se bem porquê. Por cada euro cortado com o ajustamento orçamental o efeito recessivo no PIB não foi de 0,5 euros – como estava previsto – mas de 0,9 a 1,7. A partir daqui “é só fazer as contas” como alguém diria.

Este reconhecimento, pelo FMI, do colossal erro que cometeu deu origem a muitas tomadas de posição, tendo especial destaque a dos que vêem agora confirmada a razão do que vinham afirmando há longo tempo. Nesta sequência, é muito interessante o artigo de opinião que Pedro Adão e Silva assina esta semana no Expresso.

 
A TERAPIA DAS CABEÇADAS NA PAREDE

Imagine que tem uma enxaqueca bastante intensa, consulta um economista e este dá-lhe um conselho: “bata com a cabeça na parede”. Obedientemente, dirige-se a um muro que encontra ao virar da esquina e é isso que faz. Não apenas vai sentir dores como a enxaqueca vai intensificar-se. Ainda assim, porque confia no seu conselheiro, regressa para mais uma consulta. O economista amigo, depois de olhar para uma folha de Excel, conclui que o problema é seu – não bateu com a cabeça com a intensidade adequada (ou seja, colocou pouco empenho na terapia) – e aconselha-o a insistir no tratamento, mas desta feita com mais vigor: tem de bater com a cabeça na parede com toda a força que for capaz. Chegados aqui, talvez convenha não ser economista para antecipar os resultados. Começará a sangrar da testa, a enxaqueca tornar-se-á insuportável e, caso tenha sido cumpridor, até o muro pode ter ficado ligeiramente danificado. É assim que o economista Bill Mitchell, no seu blogue, resume as intervenções seguidas pelo FMI nos últimos anos. Hoje, já não é preciso ser grego para se estar familiarizado com a terapia das “cabeçadas na parede”.

Esta semana, contudo, o economista que o aconselhou (no caso, o FMI), assim como quem não quer a coisa, veio reconhecer que a terapia tinha um pequeno problema. Como o paciente já havia intuído, os pressupostos em que se baseava afinal estavam errados. Senão, vejamos. A crer no método, por cada euro poupado no ajustamento orçamental, o efeito recessivo no PIB deveria ser de meio euro. No fundo, por cada vez que batia na parede (uma unidade em cabeçadas), a sua dor aumentaria em meia unidade em cabeçadas.

O que nos dizem agora os economistas do FMI? Em primeiro lugar que subestimaram os efeitos multiplicadores orçamentais de curto prazo (a enxaqueca vai ficar a pairar durante mais tempo) e que o efeito recessivo é bem maior do que o esperado, o PIB variará entre 0,9 e 1,7 euros (em lugar do meio euro avançado). Afinal, por cada cabeçada a sua dor intensificar-se-á.

Estamos perante o reconhecimento de que o método das cabeçadas na parede não funciona para resolver enxaquecas, ou seja, que há um problema de raiz com os programas de ajustamento. Não fiquemos, contudo, muito otimistas em relação a possíveis mudanças de estratégia. Há um par de anos, o próprio ‘departamento independente de avaliação’ do FMI já havia reconhecido que a organização tinha um sério problema de group thinking – ninguém questionava as virtudes das ‘cabeçadas na parede’ e os ajustamentos eram construídos a partir desse pressuposto – e não decorreu daí nenhuma consequência.

Agora, quando as contas do próprio FMI expõem o erro brutal que são estes programas de ajustamento, temos de nos colocar uma questão: vamos continuar a bater com a cabeça na parede, seguindo as saibas instruções da troika e dos seus acólitos nacionais (os Gaspares, os Moedas e os Borges, para nomear apenas alguns), ou, para tratarmos da nossa enorme enxaqueca, vamos ajudar quem nos aconselha a desenvolver uma terapia que faça sentido e seja eficaz?

Sem comentários:

Enviar um comentário