A proposta de Orçamento Geral do Estado (OGE) para 2013 situa-se tão fora da realidade que, dos mais diversos sectores da sociedade portuguesa, chovem as mais variadas críticas, todas elas fortemente negativas quanto á sua exequibilidade. É evidente o isolamento de Vitor Gaspar, o que não significa que ele esteja disposto a recuar um milímetro nas suas convicções.
Mesmo sem querermos ser mauzinhos, chega a parecer que esta proposta de OGE foi elaborada para ser rejeitada, sabendo-se o mal-estar que está a provocar na maioria que suporta o Governo. A agitação social que tem vindo a crescer prenuncia a borrasca que se aproxima, quando as medidas anunciadas começarem a desabar na cabeça dos portugueses.
Todos os meios legais devem ser usados para denunciar o autêntico confisco a que os nossos rendimentos – já sobrecarregadíssimos de impostos – vão passara a ficar sujeitos. A transcrição do seguinte texto de Daniel Oliveira é mais uma chamada de atenção nesse sentido. Apesar de conter alguma sobrecarga de números, o essencial está lá. Vale a pena lê-lo com atenção.
A ARTE DA FUGA (*)
Para além de tudo o que já se disse sobre a brutalidade e estupidez deste Orçamento, falta acentuar um pormenor: ele é uma fraude. Vitor Gaspar garante que cumpriremos a meta de 4,5% de défice para 2013. Como chega Gaspar a este milagre? Com uma previsão de 1% de quebra do PIB, que corresponde a crescimento já no segundo semestre. E como será isso possível? Com uma queda do consumo privado de 2,2%, em vez de 5,9% deste ano. Isto, quando os salários reais caíram 6,5%, o desemprego continuará a crescer e a taxa média de IRS aumentará 3,4%. O governo consegue que uma queda do rendimento disponível de 3,5% resulte numa queda de consumo de 2,2%. É magia. Será possível que uma queda do investimento de 4,2%, em vez dos 14,1% deste ano. É alquimia. Será possível com o aumento das exportações de 3,6%. Isto quando a Espanha, o principal destino dos nossos produtos, entra finalmente em crise acentuada. E será possível com uma queda do emprego de 1,7%, em vez dos 4,2% deste ano. Isto, sabendo-se que só o estado será responsável, para o ano, por uma queda no total do emprego de 0,8%. Não, a recessão não será de 1%. Mesmo os 2% previstos pela Universidade Católica parecem-me otimistas. Se as novas contas do FMI estão certas, a uma redução de 3,2% no défice corresponderia a uma redução do PIB entre os 2,9% e os 5,4%. O que, segundo o barómetro do Observatório para Crises e Alternativas do Centro de Estudos Sociais (CES), resultaria num défice de 6,5%, bem longe dos 4,5% onde se quer chegar. Ou seja, sem os delírios de Gaspar, todos estes sacrifícios serão em vão.
A direita que se quer ver livre de Passos sem perder a oportunidade de “ir ao pote” tem uma alternativa: “em vez de se aumentar os impostos, corta-se na despesa”. Soa bem, não soa? Vamos então fazer as contas, mais uma vez com a ajuda do CES. Os salários, reformas e prestações sociais são 70% do Orçamento e 33% do PIB. Cortar aí terá exatamente os mesmos efeitos do aumento dos impostos: menos rendimento disponível. Os custos intermédios correspondem a 10% da despesa. Reduzir a aquisição de bens é tirar dinheiro da economia. Logo, é piorar todos os indicadores. Cortar nas transferências para as empresas públicas obrigará a mais aumentos das tarifas dos transportes, por exemplo. Ou seja, menos rendimento disponível, só que apenas para os mais pobres. Cortar o pouco que sobra do investimento público (5% da despesa) é perder os fundos comunitários, uma das poucas fontes de entrada de dinheiro no país. Todos estes cortes, agravando a recessão, acabarão na necessidade de aumentar os impostos em troca de serviço nenhum. É só uma questão de tempo.
Sobra então a última rubrica: os juros da dívida. Correspondem a 9% da despesa e a 4,5% do PIB. É o único corte que não tem efeitos recessivos. Pelo contrário. É a única rubrica que é sagrada para o governo. O que, para além de injusto – só os compromissos com a banca são invioláveis –, é estúpido. No fim, acabaremos por não conseguir pagar estes juros e asta dívida. Temos, por isso, de renegociar. Se os supostos salvadores da pátria que se perfilam para suceder a Passos Coelho sem ir a votos não o querem fazer, limitam-se a fugir das evidências. Mais mês menos mês, teriam um outro Vitor Gaspar a dar-nos as mesmas más notícias. Com uma única vantagem: talvez fale mais rápido. Sempre dói menos.
(*) Expresso
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