Por incrível que pareça, estamos perante a iminência da aprovação das contas do Estado para 2013, numa situação sui generis: quase ninguém acredita na exequibilidade da proposta de Orçamento de Estado (OE) aprovada em Conselho de Ministros. De realçar que a expressão “quase ninguém” está dramaticamente encostada à realidade, a começar pelos próprios partidos que suportam no Parlamento a actual maioria. Basta ouvirmos as declarações mal dissimuladas das suas lideranças para percebermos que esperam um rotundo falhanço da fórmula proposta para o próximo OE.
Neste momento, o mais difícil é encontramos alguém que defenda a “bondade desta estratégia”, da direita à esquerda. Por isso, aqui fica mais uma posição de rejeição do OE para 2013, como mais um sinal de alerta para todos os portugueses sobre o cataclismo económico e social que poderá abater-se sobre nós caso não se consiga parar a alucinação que parece ter atacado o Governo português.
UM EXERCÍCIO ALUCINADO (*)
Este Orçamento tem sido criticado por ultrapassar “os sacrifícios pedidos aos portugueses” e comparado fiscalmente com um ataque de “napalm”. Nenhum destes problemas é a principal fragilidade do O.E.. A questão central é outra: mesmo se nos colocarmos na posição das sete pessoas (espero não me estar a esquecer de ninguém) que defendem a bondade desta estratégia, não se percebe como é que este Orçamento pode ser cumprido.
No essencial, um Orçamento é uma previsão da receita e da despesa que reflete um conjunto de opções políticas. Ora há, desde logo, um problema sério com o cenário de partida. O ministro das Finanças, das poucas vezes que é convidado a responder à questão, insiste que o défice real em 2012 será de 6%. Resta saber como será o comportamento deste último trimestre, nomeadamente tendo em conta o efeito depressivo produzido pela sucessão de declarações políticas, iniciada com o anúncio das alterações na TSU. O mais provável é estarmos a assistir a um quadro de colapso da receita fiscal, numa espécie de versão extrema do que se passou em 2009, com Teixeira dos Santos como ministro.
As consequências são claras: o incumprimento de 2012 projetar-se-á em 2013. Não por acaso, perante um compromisso de redução do défice em meio ponto percentual, o Governo anuncia um esforço de austeridade superior a 3% do PIB. Uma parte desse esforço é para compensar o fracasso de 2012, que o ministro Gaspar parece sentir-se no direito de não justificar. Mas não explica tudo.
O mais grave é o que se anuncia para 2013. Mais uma vez, o Governo elabora um Orçamento que assenta num cenário macroeconómico fantasioso, em valores para o desemprego subestimados e numa expetativa para a receita inflacionada. A fórmula vai falhar e não estamos perante uma repetição do otimismo irrealista que caracterizou a política orçamental do passado recente, já entrámos no domínio da relação alucinada com a realidade.
Ninguém no seu perfeito juízo pode acreditar que uma austeridade sem paralelo provocará uma recessão de 1% do PIB e trará apenas mais 80 mil desempregados. Aliás, basta utilizar a nova versão dos multiplicadores orçamentais do FMI para se perceber que o impacto negativo na economia variará entre os 3 e os 5%, produzindo um efeito devastador no mercado de trabalho.
O ministro Vitor Gaspar falou esta semana num “conjunto de incertezas” que ameaça a execução orçamental. Infelizmente, estamos perante um conjunto de certezas. O Orçamento não tem credibilidade, tem uma componente de alucinação, é incumprível e empurrará o país para uma espiral recessiva.
Se é assim, e a menos que a insanidade tenha tomado conta do Conselho de Ministros (hipótese que não deve ser descartada à partida), esta “estratégia” serve exatamente para quê? Para ganhar tempo? Talvez não fosse despiciendo que alguém no Governo ensaiasse uma resposta à questão. Se tal não for feito, o Governo, que agora se encontra moribundo, cairá às mãos do boletim de execução orçamental do 1º trimestre.
(*) Pedro Adão e Silva, Expresso
Sem comentários:
Enviar um comentário