quarta-feira, 31 de outubro de 2012

PARALELISMO HISTÓRICO

Se é certo que a história não se repete, não é menos verdade que em determinados momentos da vida da humanidade ou dos países é possível estabelecer paralelismos entre acontecimentos ocorridos em épocas históricas muito distantes.

O exemplo do que está a acontecer nos nossos dias encontra uma correspondência em importância e sentido com o que teve lugar na Revolução de 1383-85 quando o povo tomou em suas mãos a defesa da independência nacional contra a vontade da maioria dos dirigentes dessa altura.

O seguinte texto que encontrámos no Público de segunda-feira (29/10) compara a situação criada pela assinatura de um tratado com Castela “válido” e que “tinha de ser cumprido”, com a situação derivada do compromisso assinado com a troika por PS, PSD e CDS, em que também se coloca em risco a independência de Portugal. Com roupagens diferentes encontramos nos séculos XIV e XXI os mesmos colaboracionistas contra o interesse nacional.


A revolução de 1383-1385 e a situação actual do país (*)

Quando no dia 6 de Dezembro de 1383 um grupo de nobres, encabeçados por D. João, mestre de Avis, matou o conde Andeiro nos paços da rainha D. Leonor, e a população lisboeta, manipulada por Álvaro Pais, deu cobertura a este assassinato político e, de seguida, desgovernada, invadiu a Sé de Lisboa, onde, no alto da torre, caçou o cismático bispo D. Martinho e o atirou para o fundo da igreja, a paciência contra aqueles que pretendiam vender Portugal a Castela estava esgotada.

Na realidade, uma por uma, todas as revoltas europeias do século XIV, essencialmente de pequenos contra grandes, desencadeadas sobretudo por causa do redobrar do sucessivo aumento insuportável dos impostos e dos abusos cometidos pelos governantes, foram dominadas, excepto a portuguesa.

Qual terá sido a sua razão?

De acordo com o contrato de casamento de Salvaterra de Magos, assinado em 2 de Abril de 1383 pelos representantes do clero, da nobreza e do povo português, enquanto o futuro filho do rei D. João I de Castela e da rainha D. Beatriz, filha do rei D. Fernando e da rainha D. Leonor, não tivesse 14 anos de idade para poder vir a reinar em Portugal, o rei de Castela devia ser aceite e reconhecido como rei de Portugal.

Como o reinado de D. Fernando foi desastroso, o cumprimento deste contrato, livremente jurado e assinado, deixou de ser pacífico: três guerras com a vizinha Castela levaram a três derrotas portuguesas, com o seu cortejo de vexames, impostos, depredações e mortes; grande parte da marinha havia sido destruída; os maus anos agrícolas não deixaram de agravar ainda mais a difícil situação económica; a revolta dos mesteirais havia sido dominada com um banho de sangue; os ingleses, em vez de ajudarem Portugal contra Castela, comportaram-se em Lisboa e no Alentejo como autênticos conquistadores; o tesouro estava exausto; a economia asfixiada; a rainha D. Leonor, mais preocupada com a manutenção do poder e em proteger a sua corte de dependentes do que em ajudar na governação o doente rei D. Fernando, fazia o uso do poder a seu bel-prazer e só beneficiava os seus familiares, amigos e simpatizantes; o fosso que separava os pequenos dos grandes ia sendo exacerbado cada vez mais; outras tantas razões, qual delas mais determinante, faziam fervilhar uma revolta latente.

Em nome de Portugal, o Partido Socialista pediu ajuda à troika. O pedido não foi assinado pelo clero, pela nobreza e pelo povo, como em 2 de Abril de 1383, mas por PS, PSD e CDS. Tal como no passado distante, o pedido é válido e tem de ser cumprido, dizem os partidos signatários e os governantes portugueses. Têm toda a razão, pois vivemos no estado de direito.

Também o contrato de casamento de Salvaterra de Magos era válido e tinha de ser cumprido, diziam o rei de Castela e a legítima rainha D. Leonor Teles, mas os autores do assassinato do conde Andeiro, que desencadearam a primeira revolução portuguesa, não pensavam assim. Afirmavam eles que o poder da rainha D. Leonor era ilegítimo porque não defendia o interesse nacional. Para eles, Portugal havia sido sempre isento sobre si, ou seja, independente, e a rainha D. Leonor havia efectuado uma utilização abusiva do poder, razão pela qual perdera toda a legitimidade, pois, do ponto de vista dos revolucionários, só era legítimo o poder que defendia a independência nacional.

Os mesteirais e o povo miúdo, que foram o grande suporte de D. João, mestre de Avis, na primeira fase da revolução de 1383-1385, triunfaram porque fizeram as suas reivindicações, satisfeitas pelo regedor e defensor dos reinos de Portugal e do Algarve, por eles eleito a este cargo em Dezembro de 1383 no Largo de São Domingos, em Lisboa, porque associaram a sua luta pela melhoria das condições de vida à luta em prol da defesa da independência nacional.

Os revolucionários de 1383-1385, que representavam uma minoria de verdadeiros portugueses que se batia contra uma maioria portuguesa vendida à estrangeira Castela, em troca de sacrifícios e mais sacrifícios, pedidos aos seus partidários, nada mais ofereciam senão aquilo que lhes era mais sagrado: a independência de Portugal.

A revolução de 1383-1385 triunfou porque a maioria dos revolucionários amava Portugal e punha os interesses do seu país acima de quaisquer interesses materiais.

(*) Valentino Viegas  

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