Nos tempos que correm e num sistema tão injusto e desigual como aquele em que vivemos, com um desemprego galopante, são os mais frágeis socialmente que sofrem as consequências mais duras. Obviamente, não será novidade afirmar que, entre estes, talvez os mais atingidos sejam os deficientes. Quando se contrata ou despede, os critérios de mais lucro e produtividade encontram-se à cabeça pois são deuses do universo neoliberal que nos domina. À luz da Constituição, trata-se, certamente, de uma ilegalidade tratar os cidadãos deficientes de forma diferente dos não deficientes. Estamos perante um debate que ainda não foi feito em Portugal, pelo menos de forma profunda.
Poucas vezes encontramos na comunicação social artigos de opinião sobre este tema e, também por isso, resolvemos transcrever na íntegra o seguinte texto que encontrámos no Diário de Coimbra do passado dia 3 de Dezembro.
Pessoas com deficiência e trabalho (*)
No “Dia Internacional da Pessoa com Deficiência”, 3 de Dezembro, uma notícia fresca: A Cimeira Ibero-americana de Chefes de Estado e de Governo reuniu a 16 e 17 de Novembro, em Cádiz, Espanha. Portugal esteve presente ao mais alto nível: Presidente da República, Cavaco Silva, e Primeiro-Ministro, Passos Coelho.
Nessa cimeira foi aprovado o comunicado: ”Declaração de 2013 como Ano Ibero-Americano para a inclusão no Mercado Laboral das Pessoas com Deficiência”.
Esse comunicado: “Reconhece que em muitos dos nossos países, as pessoas com deficiência vivem em condições de extrema pobreza, com acesso limitado a serviços públicos como educação e saúde e em situação de marginalização social, que se constituiu como um dos fatores determinantes da elevada taxa de desemprego”; que “cerca de 80% das pessoas com deficiência em idade de trabalhar está desempregada”. ”Reafirma o direito de acesso ao trabalho para pessoas com deficiência, em igualdade de oportunidades”.
Termina, proclamando “o ano 2013 como Ano Ibero-Americano para a Inclusão Laboral das Pessoas com Deficiência”.
As notícias que nos chegam confirmam que os deficientes dos países parceiros americanos têm melhorado as suas vidas.
Já os dois países ibéricos, Portugal e Espanha, povos colonizadores e civilizadores presentes ao mais alto nível nessa Cimeira, assinaram tão importante documento com a mesma sinceridade ou cinismo em uso em campanhas eleitorais: Promete-se uma coisa, faz-se outra.
Em Portugal, com uma população desempregada a crescer de forma alarmante e descontrolada, fazem-se leis que tiram direitos, aumenta-se o horário de trabalho, reduzem-se ordenados e pensões, numa perseguição cada vez mais apertada a quem trabalha. Quando se contrata ou despede, tudo segue citérios de mais lucro, mais produtividade.
Com estes critérios, os deficientes são os mais vulneráveis, os mais atingidos.
Os Censos de 2001 registavam 636059 deficientes com idades para “atividade económica”.
“Cerca de 55,2% dessa população tinha como sustento a pensão ou reforma”. Entre a população com deficiência mental e com paralisia cerebral, mais de 90% estavam considerados “incapacitados permanentemente para o trabalho”. Com mísera pensão, viviam “a cargo da família”.
Já os Censos de 2011 não foram feitos para apurar desses resultados. Se houvesse números, seriam muito piores.
“Falar de igualdade de oportunidades, de integração, normalização só tem sentido se estes conceitos forem levados ao direito ao trabalho. Trabalho na medida das reais capacidades”. (A. Pan).
“As pessoas com deficiência mental não têm as mesmas oportunidades na vida. Ainda que algumas possam ter trabalho, as suas oportunidades vêem-se restringidas. A maioria não encontrará um emprego competitivo e satisfatório” (Verdugo).
O trabalho é um direito, um direito fundamental. Também para as pessoas com deficiência. Também para as pessoas com deficiência mental.
Não há integração, não há inclusão se os deficientes ficam excluídos do direito ao trabalho.
“O trabalho tem grande significado psicológico e tem resultados positivos no que respeita à realização pessoal”, “completa a educação e tem função terapêutica, contribui para a adaptação e a integração social das pessoas com deficiência. O trabalho realiza o homem” (da Encíclica Laborem Exercens).
Os avanços da ciência e da técnica libertaram o homem e permitem elevados níveis de produção com menos esforço físico, mas mais exigentes de preparação profissional. O que acarreta mais dificuldades aos deficientes.
Mas a técnica, de aliada do trabalhador porque lhe exige menos esforço físico e menos tempo de execução das tarefas, tem gerado situações inimigas do trabalhador. Pela técnica têm surgido tendências de novas escravaturas. A máquina tem servido para submeter o trabalhador a ritmos intensivos de produção, ritmos frenéticos que descem o homem ao nível de robot.
Pela técnica, justificam-se despedimentos. O exército dos desempregados alastra. Muitos trabalhadores, antes empregados, sucumbem, inúteis, descartáveis, desempregados.
“O trabalho submetido à idolatria do lucro reduz a dimensão humana do trabalhador” (da Encíclica Papal Laborem Exercens).
Num mundo submetido aos critérios do mercado, os deficientes e muito particularmente os deficientes mentais ficam sem espaço para manifestarem o seu valor.
Resta-lhes o estatuto de inúteis. Resta-lhes uma sobrevivência de esmola, mão estendida à caridade, “situação meramente assistencialista”. Alimentados por 212 euros, a “cargo das famílias”, os que a têm. Desvalorizados por uma sociedade que tudo julga pelo valor acrescentado.
(*) Manuel Miranda
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