sábado, 1 de dezembro de 2012

OS DISLATES DA "BANQUEIRA"


Com a aproximação de mais um período de recolha de donativos para o Banco Alimentar Contra a Fome (BACF), anda a proceder-se a um branqueamento da imagem da sua presidente, depois das suas lamentáveis chocantes e preconceituosas declarações a propósito do futuro do Estado Social em Portugal, muito para além do âmbito das suas responsabilidades. Ao assumir a retórica política do poder neoliberal, Isabel Jonet envolveu no seu dislate o BACF, com os consequentes malefícios para a instituição que representa a exposição pública do seu fanatismo ideológico.

A seguir transcrevemos um texto que retirámos do Público de quinta-feira, no qual, o seu autor (José António Pinto), partindo das palavras de Isabel Jonet, desenvolve um interessante conjunto de ideias.


Não se pode comer bife todos os dias

Primeiro apontamento: considero o Banco Alimentar Contra a Fome (BACF) uma instituição credível, prestigiada, com um papel e uma função social muito importante, principalmente no actual contexto de crise económica.

Segundo apontamento: o BACF não se esgota na figura pessoal da sua presidente, dra. Isabel Jonet. O mérito da intervenção desta instituição resulta do esforço, empenho e dedicação de muitos voluntários anónimos. Um colectivo que, de forma voluntária e com brilho, tenta minorar o sofrimento e as consequências mais severas da privação alimentar de muitas famílias portuguesas.

Terceiro apontamento: um país desenvolvido e com indicadores de progresso e bem-estar social deveria envergonhar-se de no ano de 2012 ter estruturas de apoio semelhantes às do Banco Alimentar Contra a Fome. Estes espaços, com características de armazéns, deveriam ser reutilizados para albergar estufas de flores, principalmente cravos, cravos vermelhos.

Quarto apontamento: as recentes declarações da dra. Isabel Jonet a um canal de televisão a propósito do futuro do Estado social em Portugal são chocantes, preconceituosas e revelam um profundo desconhecimento técnico e científico sobre o fenómeno da pobreza no nosso país.

São declarações carregadas de uma moral antiga que nos faz recuar a um tempo onde uma sardinha dava para três. O tempo do pobrete mas alegrete. O tal tempo em que as pessoas não se endividavam, não viviam acima das suas reais possibilidades, conformavam-se com pouco, permaneciam na pobreza, resignadas, tinham uma esperança de vida mais curta, não davam prejuízo ao Estado em cuidados de saúde, não exigiam muito, não consideravam os seus direitos conquistas irreversíveis e em que o trabalho era sinónimo de honra e valorização pessoal. Nesse tempo não existiam sindicatos nem Estado social, mas já existiam almas caridosas que se preocupavam com a caridade assistencialista. Já existiam bifes de boa vitela, mas não eram para a boca de todos. Um milhão de idosos vive actualmente com pensões inferiores a 280 euros por mês. Será que com este rendimento mensal podem ser consumistas e viver acima das suas reais possibilidades?

Dra. Isabel Jonet: sou assistente social desde 1994. Trabalho em Campanhã, a freguesia mais pobre do concelho do Porto. Não concordo com a sua análise da pobreza nem posso deixar de manifestar publicamente a minha divergência quanto ao seu pensamento.

O Estado deixou de ter recursos económicos para proteger os mais frágeis. Preferia ter ouvido da sua boca a afirmação de que o Estado vendeu ao desbarato empresas públicas rentáveis, pilares estruturantes da nossa economia, que com os seus lucros nos permitiram ter melhores escolas, hospitais, centros de dia, creches, habitação social de qualidade, transportes públicos dignos ou electricidade, água e gás dentro de casa a preços acessíveis.

O Estado deixou de ter condições para garantir o mínimo. Preferia ter ouvido das suas afirmações a denúncia do escândalo das parcerias público-privadas e dos milhões que foram gastos no BPN e no BPP. O prejuízo destes bancos custará ao Estado seis mil milhões de euros. Gostava que uma gestora voluntária com mais de 20 anos de experiência em ajudar pobres aproveitasse a visibilidade dos ecrãs da televisão para chamar a atenção para o roubo das assessorias. Em 2012, o Governo gastou 86 milhões de euros em estudos, pareceres e serviços de consultoria. Os benefícios fiscais concedidos às grandes empresas representam em 2012 cerca de 1200 milhões de euros que não entraram nos cofres do Estado.

Diz a dra. Isabel que temos de mudar de paradigma, viver com menos, adaptar os nossos hábitos de consumo e perceber que o empobrecimento é inevitável. Não podemos comer bifes todos os dias, temos de optar: ir ao concerto de rock ou guardar o dinheiro do bilhete para pagar a radiografia no hospital. Os tempos mudaram, temos de reaprender a viver com mais privação e limitações. Não era isto que eu queria ouvir da presidente do BACF. Podia ter dito que é urgente desenvolver uma política séria de combate à fraude e evasão fiscal. Lembra-se do triste exemplo da PT, que, por ter vendido as suas acções à Vivo, deveria ter entregue ao estado 570 milhões de euros? E se os bancos tivessem uma taxa de IRC semelhante à das empresas, de 25% e não de 15,4%, como acontece? Já imaginou quantos milhões o Estado arrecadava para proteger melhor os mais necessitados?

Diz a dra. Isabel Jonet que tem de ser assim porque estamos na Europa e esse contexto externo internacional condiciona a nossa vida. Todos os países parceiros do estrangeiro estão a viver dificuldades. Claro que sim, mas podia ter dito na televisão que o Banco Central Europeu empresta dinheiro à Alemanha a uma taxa de 1% e a nós, portuguesitos, a uma taxa de 3,6%. Já viu como seria vantajoso bater o pé lá fora? Vale mais honrar a nossa credibilidade externa ou garantir o bem-estar do nosso povo? Esse seu discurso fatalista de que não há outro caminho é muito preocupante. Só faltou acrescentar que os sacrifícios estão a ser exigidos a todos de forma justa e equitativa. Não disse, mas afirmou que em Portugal não há miséria, isso só na Grécia.

Quem trabalha todos os dias com os mais pobres dos pobres deveria saber que as causas estruturantes da pobreza residem no modelo de crescimento económico capitalista. Só tem lugar na estrutura social quem dá lucro. O mercado é quem manda, as pessoas são peças baratas da cadeia produtiva.

Precisamos, portanto, de novas políticas sociais, de envolver os pobres na resolução dos seus próprios problemas e de sensibilizar a sociedade civil para este flagelo que nos deve envergonhar a todos. Só em Portugal já existem mais de 364 mil desempregados sem qualquer tipo de protecção social. Não é por falta de dinheiro. O assassinato do Estado social é uma opção ideológica. O contrato social está a ser rasgado pela ganância da acumulação capitalista.

Em Portugal é urgente a criação de um movimento de utentes da Segurança Social que exija a este Governo respeito pela dignidade humana, pela Constituição e pelo Estado Social. É preciso estimular o crescimento da economia, criar emprego com direitos, estimular a produção nacional e renegociar a dívida que estes pobres não criaram.

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