segunda-feira, 25 de março de 2013

A FORÇA DOS FACTOS



A posição do Governo Passos/Gaspar/Portas tem sido a de ignorar por completo a realidade que nos cerca, estando eles entre os que mais poderão fazer alguma coisa para evitar o desabamento da nossa vida colectiva, já que se encontram entre os principais culpados da tragédia sócio-política que nos está a acontecer. Numa atitude de inqualificável arrogância perante os sucessivos resultados negativos das medidas que foi tomando durante perto de dois anos, a maioria de direita acabou por conseguir quase o impensável: unir sindicatos e associações patronais na contestação ao Governo.

Finalmente, na semana passada, a força dos factos levou a que os governantes constatassem os erros cometidos – parecem ter sido os últimos a chegar a esta conclusão – embora descartassem culpas próprias, preferindo atirá-las para o mau desenho do memorando da troika. Partindo deste raciocínio está o texto seguinte, parte de um artigo de opinião que transcrevemos do Diário de Coimbra de ontem (24/3/2013).


Saiu sóbrio do consultório médico e embicou para o primeiro bar que lhe apareceu pela frente. Pediu 10 whiskys que o empregado, estranhando a bizarria, lhe serviu, com a delicadeza que se recomenda. Começa assim uma velha anedota que Victor Gaspar me rasgou da memória.

Um atrás do outro, bebeu os 10 e, com a voz mais arrastada, pediu outros cinco. Deu-lhes o mesmo destino e pediu mais três, já em dificuldade de equilíbrio. A meio da terceira etapa, desabafou: “Não percebo isto. Quanto menos bebo, mais bêbado fico!”. O médico tinha-lhe aconselhado a redução gradual do consumo de álcool e o alcoólatra inventou este expediente, com os resultados que se imaginam.

Victor Gaspar, a quem desconheço qualquer hábito menos recomendável, comporta-se assim com as finanças públicas. Ainda não percebeu que austeridade, em cima de austeridade, só pode acabar em mais pobreza. Tal como o alcoólatra não percebeu que whisky, em cima de whisky, só pode acabar em mais ebriedade.

Os péssimos resultados sócio-políticos, e a tragédia das previsões económicas têm sido, em si próprios, a confirmação implícita das críticas que a generalidade dos comentadores tem feito a Victor Gaspar. Esta semana [passada], a constatação de que o memorando da troika “está mal desenhado” como desculpa para os seus estrondosos erros de cálculo é a justificação explícita e confessada da sua incompetência.

Depois disto, só lhe resta tirar consequências, do que afirmou. Ou tem a coragem de se demitir, ou confia essa ingrata missão ao Primeiro-Ministro. Caso contrário, será o próprio Victor Gaspar, dobrado à força dos factos, a confirmar a sua inimputabilidade e a sua incompetência. O acto de contrição chegou tarde de mais, para lhe absolver a alma.

Causou embaraço ao Primeiro-Ministro que se viu forçado a fazer uma atabalhoada rectificação, de duvidoso resultado. Acabou por confirmar o dislate do colega. Não se trata de desenho. O problema está na calibragem, disse Passos Coelho. É a mais absoluta desorientação, a incapacidade de desenvolver uma estratégia, para uma “crise” de comunicação.

Perante tudo isto, Cavaco Silva é um mistério que permanece insondável. Vai deixar escapar mais uma oportunidade de dizer ao país que tipo de confiança lhe merece este ministro das Finanças, num momento de crise tão profunda, com custos para os portugueses que levarão gerações, até serem ressarcidos.

Depois de Victor Gaspar desancar no conteúdo do memorando, involuntariamente confirmado pelo Primeiro-Ministro, já ninguém pode confiar neste Governo, o que torna o silêncio do Presidente da República muito mais ensurdecedor. A esperança está esgotada. Todo o que resta é ir dobrando páginas do calendário, até que o mandato presidencial chegue ao fim. (…)

(*) Sérgio Ferreira Borges

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