sexta-feira, 15 de março de 2013

DESATRE À PORTA


Costuma dizer-se que, no seu conjunto, o povo tem sempre razão nas decisões que toma. Só que, por vezes, se torna muito difícil interpretar aquilo que o povo efectivamente quer. Uma interpretação literal de uma sondagem vinda hoje a público leva-nos à conclusão de que os principais culpados da situação a que chegámos saem beneficiados aos olhos dos portugueses enquanto aqueles que mais se têm batido pelo fim das medidas incompetentes, irracionais e maldosas merecem ser penalizados. Ainda há duas semanas muitas centenas de milhares de portugueses saíram à rua em clamoroso protesto contra a criminosa austeridade que nos é imposta de fora com a colaboração reverente de Passos Coelho e Portas e a prestimosa conivência de Cavaco Silva quando, parece ainda haver alguma complacência de muitos cidadãos perante as malfeitorias que nos estão sendo infligidas. Há que ser feita uma profunda reflexão sobre a forma como os nossos concidadãos estão a reagir a decisões tão graves para o nosso presente e futuro coletivos.

O texto que transcrevemos do Diário de Coimbra de hoje constitui mais uma chamada de atenção para o estado a que o país chegou, não podendo continuar na degradação acelerada em que se encontra actualmente. Está nas mãos dos portugueses impedir que tal aconteça.


O estado da Nação (*)

A vice-presidente da Comissão Europeia, Viviane Reding, parceira de Durão Barroso em Bruxelas, passou por cá e espalhou recados. Disse que “quando vinha do Porto (para Coimbra), passou por quatro estádios vazios” e perguntou se “isto foi investimento correcto”, (Diário de Coimbra, 23/02/2013). A ilustre senhora deve perguntar isso mesmo a Durão Barroso, porque foi com ele que os “estádios vazios” se semearam pelo país.

Viviane Reding disse ainda que “a culpa do que está a acontecer no país não é da Troika”, que a “Troika é constituída por técnicos que fazem avaliações, e que as decisões são tomadas pelos políticos, pelo Conselho de Ministros”.

Está confirmado. A Troika pôs por cá um governo obediente. A Troika dá ordens que os de cá cumprem com submissão.

Não faltou quem dissesse que isto ia correr mal. Vem agora Viviane dizer que as culpas não são da Troika, a mandante, mas dos nossos governos submissos. E por cá houve quem alertasse que as medidas traziam fome.

O Ministro das Finanças, Vitor Gaspar, reconheceu que o Orçamento para 2013, por ele feito e por técnicos muito bem pagos, está com todas as previsões e cálculos errados, uma trapalhada ao fim de poucas semanas. Não acertaram em nada.

A dívida continua a crescer. O desemprego está descontrolado e todos os dias há mais gente sem trabalho. O défice continua acima do anunciado, e só a venda de empresas lucrativas, como EDP, REN, ANA, CIMPOR … se engana (lá vão os anéis, depois, veremos!). A produção nacional está a sofrer forte queda. A economia a encolher.

Fábricas fecham. O comércio definha e morre porque as famílias não têm dinheiro.

Os salários recebem reduções que são uma afronta e um apelo à revolta.

As pensões de reforma encolhem sem respeito por quem trabalhou, e muitos trabalharam desde os 10 anos de idade.

As contas da luz, do gás, da gasolina continuam a subir.

O dinheiro deixou de circular, porque corre para os bolsos de alguns.

Os impostos sugam num exagero.

Pelas malhas da crise aparecem relatórios de bancos e grandes empresas com lucros a subir. Mas a crise traz fome a muitas crianças e a muitas famílias.

Estamos perante um enorme e um colossal falhanço das medidas do governo, do programa de ajustamento.

A crise social está nos limites. O descontentamento anda na rua, com alguma música, mas com motivos para outros protestos.

E aquilo que se dizia ser por um ano, já se diz que será para sempre. se o povo deixar, porque a mentira despertou consciências.

A degradação social anda por todos os lados

Os ministros já não saem à rua. Onde passam recebem gritos de revolta carregados de desespero. Andam como os clandestinos, já só reúnem com os do partido e mesmo entre esses são acossados. Entram e saem por portas escondidas, rodeados de seguranças.

Estamos em recessão, o que significa que estamos mais pobres, produzimos menos, com mais desemprego e mais endividados. Um colossal fracasso das medidas de austeridade impostas pela Troika e seguidas por um governo obediente e submisso.

A Troika, esse grupo misterioso de tecnocratas que andam rodeados por seguranças, pelo “bom caminho” levou o país à recessão e já não tem cara para conferências de imprensa.

Quando Portugal pediu ajuda a Bruxelas, tudo apontava para uma economia doente. Os tecnocratas da Troika prometeram saúde. Pelo “bom caminho” trouxeram o país à agonia.

Agora temos 680 mil famílias que já não conseguem pagar as prestações dos empréstimos da casa.

Para as dificuldades dos bancos, o governo, a Troika, Bruxelas foram generosos no resgate, injectando dinheiro dos nosso impostos. Agora, as famílias arruinadas precisam de resgate.

Mas a doença não anda só por cá. A doença, a recessão anda por muitos lados. Nem grandes economias escapam.

É necessário encontrar explicações para a doença. As teorias do neoliberalismo económico são a explicação.

Há produção. Não faltam produtos disponíveis. Há tecnologia que permite produzir mais. A doença não está na produção. Está na distribuição da riqueza produzida.

Há austeridade para muitos. Fartura e luxo para poucos.

Muita roubalheira à solta.

E a esses não lhes deitam a mão. Protegidos por leis feitas ao jeito.

(*) Manuel Miranda

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