Curiosamente, já nem as associações patronais se batem pela redução de salários dos trabalhadores. Há bem poucos dias verificou-se, até, uma impensável convergência entre patronato e sindicatos no sentido do aumento do salário mínimo nacional. Também por curiosidade, neste momento, a única entidade que se opõe a esta medida é o Governo. Parece impossível que Passos/Gaspar/Portas ainda não tenham concluído que o seu fanatismo ideológico não tem qualquer correspondência com a realidade sabendo-se que há décadas que os salários reais estão em queda e, no entanto, o que se verifica é que a perda do poder de compra dos trabalhadores em nada tem contribuído para a criação de emprego. Parece que, quanto mais vozes se levantam a chamar a atenção para esta dramática realidade, mais obstinado o Governo se mostra na sua teimosia sem qualquer sustentabilidade económica mas claramente seguidora dos ditames de Bruxelas. Há uma intenção evidente de defender, acima de tudo, o sistema neoliberal em detrimento da “crise económica, financeira e social que vai destruindo a Europa”. O texto que transcrevemos do Diário de Coimbra do passado domingo mostra uma convergência de pontos de vista na Comissão Europeia sobre a intenção de embaratecer a mão-de-obra por todos os meios.
Feios, porcos e cínicos (*)
Já nada pode surpreender, nem mesmo o Primeiro-Ministro, quando defende a descida do salário mínimo, como estimulador da criação de emprego. Disse isto, sem se rir, talvez porque a ignorância não lhe permita enxergar a dimensão do disparate.
Os salários reais, que é como quem diz, o rendimento disponível das famílias, estão em queda há quase vinte anos e isso em nada contribuiu, para a criação de emprego. Na vã esperança de melhorar a cultura geral de Pedro Passos Coelho, acrescento também que, na Europa, como no resto do mundo ocidental, não há criação líquida de emprego, há mais de 30 anos. A excepção efémera foi Portugal, durante o Governo de António Guterres. Em 2000, a taxa de desemprego em Portugal era de 3,9 por cento, valor que tecnicamente é considerado de “pleno emprego”, enquanto a média dos 27 ia nos 9,2 por cento. Já o disse repetidamente aqui, e a última vez foi recente. José Sócrates reclamou feito semelhante, mas a realidade desmenti-o, o que nem sequer é difícil.
Muitos economistas replicaram de imediato Passos Coelho, concluindo que a irrelevante diferença entre o valor actual do salário mínimo e aquilo que estava a ser reivindicado não teria qualquer influência na criação de emprego.
A teimosia do Primeiro-Ministro não tem, por isso, qualquer sustentabilidade económica. É apenas uma obstinação ideológica que o faz repetir aquilo que ouve em Bruxelas. Se não, vejamos.
O director-geral dos Assuntos Internos da Comissão Europeia, o italiano Stefano Manservisi, voluntariamente, ou por simples descuido de que duvido, disse muito pior. Num debate sobre a política comunitária de migração, com o embaixador de Marrocos junto da União Europeia, disse que a Europa precisa de imigração africana, para reduzir os custos do trabalho e tornar a sua economia mais competitiva. Tal e qual. E para que não restassem dúvidas, repetiu a graça, acrescentando-lhe que sem essa mão-de-obra o futuro da Europa seria “menos brilhante”.
Stefano Manservisi é um funcionário de topo e não ousaria dizer tal coisa, se isso não tivesse cobertura política. Ouvido isto, já ninguém pode duvidar desta insofismável verdade – existe, na União Europeia uma estratégia concertada, para a redução dos rendimentos do trabalho. E não é para tornar a economia mais competitiva, mas antes, para ampliar os dividendos de quem nela investe.
E há um aspecto escandaloso. Não sou, nunca fui, defensor das políticas de arame farpado, para a emigração. Mas é impossível não ponderar que, na União Europeia, existem mais de 25 milhões de desempregados. Bruxelas, por um lado, promete tudo fazer, para criar postos de trabalho. Mas, por outro, vai dizendo que precisa de mão-de-obra africana, porque é mais barata. O mínimo que se pode dizer de tudo isto é que o cinismo é muito atrevido.
É uma política imoral, mas não só. É também desastrosa. O emprego de menor qualificação caiu estrondosamente em toda a Europa, com o encerramento de fábricas e a redução em larga escala da construção civil e das obras públicas. Não se percebe, por isso, onde vai a União Europeia empregar mão-de-obra africana que quer importar. Tem uma utilidade mediata, bem evidente, que é a redução dos níveis salariais dos trabalhadores europeus que possam ter mais concorrência, pouco exigente em direitos sociais. E este é outro objectivo de Bruxelas, cada vez mais nítido.
A clique que capturou o poder político está mais interessada em defender o sistema neoliberal, que em resolver a crise económica, financeira e social que vai destruindo a Europa. Uma prova eloquente disto foi dada esta semana [semana passada], pela socialista espanhola, Eider Gadiazabal Rubial, vice-presidente do Comité do Orçamento, do Parlamento Europeu. Dizia ela que a redução dos bónus dos banqueiros “é uma prioridade, desde que a crise financeira começou”. Provavelmente, não saberá que a crise financeira rebentou a 15 de Setembro de 2008, quase há cinco anos, hiato demasiado longo, para alberga uma prioridade.
Teve o bom senso de reconhecer que nada se fez até hoje, nesse sentido. Como teve a frontalidade de justificar o atraso, com as enormes resistências que se manifestam, nas instituições europeias, desde o Conselho, até à Comissão, passando pelo Parlamento.
Justificou o pedido, feito pelo parlamento, de 6000 milhões de euros, para fomentar políticas de emprego juvenil, ao longo de sete anos. O Conselho Europeu disse que era muito, esquecido que as perdas económicas da Europa, produzidas pelo desemprego dos mais jovens atingem os 153 mil milhões num só ano.
Os salários reais, que é como quem diz, o rendimento disponível das famílias, estão em queda há quase vinte anos e isso em nada contribuiu, para a criação de emprego. Na vã esperança de melhorar a cultura geral de Pedro Passos Coelho, acrescento também que, na Europa, como no resto do mundo ocidental, não há criação líquida de emprego, há mais de 30 anos. A excepção efémera foi Portugal, durante o Governo de António Guterres. Em 2000, a taxa de desemprego em Portugal era de 3,9 por cento, valor que tecnicamente é considerado de “pleno emprego”, enquanto a média dos 27 ia nos 9,2 por cento. Já o disse repetidamente aqui, e a última vez foi recente. José Sócrates reclamou feito semelhante, mas a realidade desmenti-o, o que nem sequer é difícil.
Muitos economistas replicaram de imediato Passos Coelho, concluindo que a irrelevante diferença entre o valor actual do salário mínimo e aquilo que estava a ser reivindicado não teria qualquer influência na criação de emprego.
A teimosia do Primeiro-Ministro não tem, por isso, qualquer sustentabilidade económica. É apenas uma obstinação ideológica que o faz repetir aquilo que ouve em Bruxelas. Se não, vejamos.
O director-geral dos Assuntos Internos da Comissão Europeia, o italiano Stefano Manservisi, voluntariamente, ou por simples descuido de que duvido, disse muito pior. Num debate sobre a política comunitária de migração, com o embaixador de Marrocos junto da União Europeia, disse que a Europa precisa de imigração africana, para reduzir os custos do trabalho e tornar a sua economia mais competitiva. Tal e qual. E para que não restassem dúvidas, repetiu a graça, acrescentando-lhe que sem essa mão-de-obra o futuro da Europa seria “menos brilhante”.
Stefano Manservisi é um funcionário de topo e não ousaria dizer tal coisa, se isso não tivesse cobertura política. Ouvido isto, já ninguém pode duvidar desta insofismável verdade – existe, na União Europeia uma estratégia concertada, para a redução dos rendimentos do trabalho. E não é para tornar a economia mais competitiva, mas antes, para ampliar os dividendos de quem nela investe.
E há um aspecto escandaloso. Não sou, nunca fui, defensor das políticas de arame farpado, para a emigração. Mas é impossível não ponderar que, na União Europeia, existem mais de 25 milhões de desempregados. Bruxelas, por um lado, promete tudo fazer, para criar postos de trabalho. Mas, por outro, vai dizendo que precisa de mão-de-obra africana, porque é mais barata. O mínimo que se pode dizer de tudo isto é que o cinismo é muito atrevido.
É uma política imoral, mas não só. É também desastrosa. O emprego de menor qualificação caiu estrondosamente em toda a Europa, com o encerramento de fábricas e a redução em larga escala da construção civil e das obras públicas. Não se percebe, por isso, onde vai a União Europeia empregar mão-de-obra africana que quer importar. Tem uma utilidade mediata, bem evidente, que é a redução dos níveis salariais dos trabalhadores europeus que possam ter mais concorrência, pouco exigente em direitos sociais. E este é outro objectivo de Bruxelas, cada vez mais nítido.
A clique que capturou o poder político está mais interessada em defender o sistema neoliberal, que em resolver a crise económica, financeira e social que vai destruindo a Europa. Uma prova eloquente disto foi dada esta semana [semana passada], pela socialista espanhola, Eider Gadiazabal Rubial, vice-presidente do Comité do Orçamento, do Parlamento Europeu. Dizia ela que a redução dos bónus dos banqueiros “é uma prioridade, desde que a crise financeira começou”. Provavelmente, não saberá que a crise financeira rebentou a 15 de Setembro de 2008, quase há cinco anos, hiato demasiado longo, para alberga uma prioridade.
Teve o bom senso de reconhecer que nada se fez até hoje, nesse sentido. Como teve a frontalidade de justificar o atraso, com as enormes resistências que se manifestam, nas instituições europeias, desde o Conselho, até à Comissão, passando pelo Parlamento.
Justificou o pedido, feito pelo parlamento, de 6000 milhões de euros, para fomentar políticas de emprego juvenil, ao longo de sete anos. O Conselho Europeu disse que era muito, esquecido que as perdas económicas da Europa, produzidas pelo desemprego dos mais jovens atingem os 153 mil milhões num só ano.
(*) Sérgio F. Borges
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