domingo, 17 de março de 2013

ESTRATÉGIA GLOBAL


Vamos dar o benefício da dúvida em relação à inteligência das principais figuras do nosso Governo para não nos poder passar pela cabeça que o descalabro a que chegámos tem a ver com decisões tomadas à toa, ainda que como mandatários de entidades estrangeiras. O desemprego que vai continuar a ter taxas brutais, não se sabe até quando, segundo dados oficiais, é considerado pelo ministro Gaspar e pelos seus superiores da troika apenas como um dano colateral da estratégia global que é a quebra drástica dos custos do trabalho em Portugal. Eles vão esticar a corda até poderem, desde que não ponham em causa a estabilidade social. Isto significa que as manifestações de rua, ao contrário do que se pretende dar a entender, são peça fundamental para se colocar um travão na estratégia de destruição da nossa vida colectiva e como chamada de atenção do Governo para o descontentamento geral da população. A fase seguinte do cataclismo social em que estamos mergulhados pode converter-se em acções de incontrolável violência. Ou será que Passos/Gaspar/Portas estão a aguardar pelo momento em que o desespero colectivo se traduza em revolta, com montras partidas, carros incendiados e tudo o mais que se lhe pode seguir, para, finalmente, acordarem da sua paranoia ideológica?

A crítica de Nicolau Santos, no Expresso Economia de ontem, às afirmações do ministro Gaspar é bastante significativa por ter origem num “moderado”.



  Lá vem Gaspar que tem que contar

Vitor Gaspar fez ontem [15/3] mais um grande número de prestidigitação. O ministro das Finanças anunciou ao país que o programa de ajustamento está a progredir de uma forma consistente. Que as revisões das mestas não implicam nem mais tempo nem mais dinheiro. Que cumprimos o défice de 2012 em contabilidade pública. Que se não fosse a conjuntura externa o ajustamento estaria muito melhor. E por aí fora, no tom monocórdico e hipnótico que Gaspar usa para anestesiar o país.

Esperavam os cidadãos deste país que o facto desta sétima avaliação ter demorado o dobro das anteriores tivesse a ver com uma alteração da posição do Governo: de subserviente a resistente. Mas não. O que se conseguiu não foi por convicção, foi por impossibilidade. Era impossível cortar mais €4000 milhões de despesa pública este ano. A troika deu mais dois. Era impossível cumprir o défice de 3% em 2014. A troika deu mais um ao um que já tinha dado.

Gaspar tem um problema com a realidade. E a realidade está a gritar, de forma obviamente ululante, que este ajustamento é uma tragédia. Tudo falhou. A dívida pública atingirá 124% em 2014. A consolidação orçamental, que era tão impiedosa, é um verdadeiro descalabro, com o ministro a dizer que cumpriu o défice em contabilidade pública. É lamentável que Gaspar nos tente confundir, revelando que há três valores para o défice de 2012: um para a troika (4,9%), um para o INE/Eurostat (6,6%) e um saldo orçamental sem efeitos pontuais (6%). O ministro sabe que nós sabemos que ele sabe que para Bruxelas o que conta é o défice em contabilidade nacional. E em contabilidade nacional o défice de 2012 é de 6,6% e não 4,9%. Ponto final, parágrafo.

Este resultado só tem a ver com uma coisa: a completa incompreensão de que um ajustamento da magnitude do que está a ser feito, em apenas três anos, exigindo ao mesmo tempo uma fortíssima desalavancagem do sector bancário, só poderia ser alcançado, no que toca à redução rápida dos desequilíbrios externos, à custa de uma brutal recessão interna. E ela aí está no seu terceiro ano em todo o seu esplendor!

Ninguém se esquece também dos olhos abertos e das bocas espantadas dos membros da troika e do ministro Vitor Gaspar com a evolução do desemprego. Mas do que é que tão brilhantes economistas estavam à espera quando quase 300 mil pequenas e médias empresas, que trabalham para o mercado interno, dependem do crédito bancário para o seu funcionamento diário? O que estavam à espera que acontecesse quando o crédito se restringiu drasticamente - e o pouco que havia foi canalisado para as empresas públicas porque o Governo se recusou a avalisar empréstimos que essas empresas tentaram obter no exterior, empurrando-as para a banca nacional?

O desemprego é o maior desapontamento deste ajustamento, diz Gaspar, com ar do general que considera este facto como os danos colaterais do ajustamento. O desemprego que estará sempre acima dos 18% até 2015 – e veremos se em 2016 descerá para a extraordinária taxa de 17,55! Mas não. Para Gaspar e para a troika, o desemprego é uma variável chave deste ajustamento, porque é aí que se consegue baixar drasticamente os custos de trabalho em Portugal, um objetivo deste programa. A única preocupação que Gaspar e a trioka têm é saber até onde o desemprego pode ir sem colocar em causa a estabilidade social. O espanto ou é para esconder isto ou, então, é a prova da incompleta incapacidade de Gaspar e da troika de compreenderem a economia portuguesa.

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