Estes dias quentes de Verão,
não convidam a leituras sobre temas que necessitem uma reflexão profunda mas os
tempos não estão de molde a que a esquerda baixe a guarda. Por isso, aqui
deixamos este texto da autoria do antigo militante do PCP, Domingos Lopes, que
transcrevemos do Público de hoje. O autor aborda, mais uma vez, o tema da (des)união
da esquerda, de uma forma que deveria fazer pensar aqueles que abandonaram
recentemente o Bloco, sonhando que, mesmo sem qualquer peso eleitoral irão
travar a deriva liberal do PS. Tudo isto, dizemos nós, se for apenas fruto de
boas intenções o que não está totalmente provado… O tempo, esse grande mestre,
é que nos vai dar a resposta, talvez, mais depressa que alguns poderão
imaginar.
Os
partidos de esquerda, tal como os partidos de direita, perderam, em grande
medida, a capacidade mobilizadora que tinham. Mobilizam uma pequena parte (a
mais ativa) do seu eleitoral – o aparelho partidário e os mais ativistas.
A
direita, no poder em Portugal e em quase em toda a União Europeia, afirma-se
impondo a austeridade como inevitável, deixando as populações aturdidas, sem
saber como sair do ciclo vicioso.
A
direita dos interesses está intimamente vinculada com o poder
económico-financeiro e essa é a arma que utiliza para levar avante a política
neoliberal que desregula as sociedades europeias, cujo consenso assentava no
Estado social.
Num
mundo profundamente desequilibrado, sobretudo depois da implosão da URSS, as
diversas esquerdas têm sentido grandes dificuldades para responder aos
desafios.
Os
partidos socialistas e social-democratas claudicaram e renegaram a própria
social-democracia.
Muitos
partidos comunistas [PC] renegaram o socialismo e quase desapareceram.
Surgiram,
entretanto, outras formações com maior ou menor representatividade social e
eleitoral em vários países.
O
desígnio destas novas formações foi ganhar uma vasta faixa de eleitorado que se
situa entre os PC e a social-democracia.
Por
um lado, porque os PC não foram capazes de responder às aspirações dessas
camadas e, por outro lado, porque as novas formações apostaram numa
representatividade própria que lhe desse um outro estatuto no xadrez
político-partidário.
O
caso português não foi diferente, designadamente com o surgimento do BE.
Porém,
o aparecimento e o crescimento do BE não se traduziu numa maior cooperação
entre as esquerdas.
O
PS continuou a sua deriva liberal. O PC fechou-se ainda mais, com receio do
concorrente.
Ao
mesmo tempo, o movimento social, já de si fragilizado, foi perdendo força. As
manifestações contra este Governo tiveram uma grande amplitude, mas perderam
impacte à medida que se tornava claro que não havia alternativa.
A
tentativa de Manifesto 3D falhou exatamente porque, mesmo os que se diziam
abertos, estavam fechados a sete chaves nas suas capelas imaculadas.
A
deterioração da situação no BE é consequência da incapacidade de manter coesos
grupos que sentem o esfrangalhamento do partido.
Há,
porém, quem, à pressa, anuncie que tal ou tal agrupamento se vai juntar ao Livre
e assegure condições para a governabilidade da esquerda.
É
manifesto que a junção de uma das dissidências do BE com algumas personalidades
do Manifesto 3D e outras do Congresso Democrático das Alternativas para fazer
um acordo com o PS não chega para um entendimento mais fundo à esquerda.
Pode
chegar para governar melhor que atual maioria, sem dúvida, mas não chega para
assegurar um consenso mínimo em torno do Estado social e no quadro da UE,
designadamente sobre o compromisso em torno do Pacto de Estabilidade que impede
o país de crescer e se desenvolver e fazer frente ao mortífero desemprego que
varre Portugal.
Naturalmente
que não se pode levar pelas orelhas quem não quiser um entendimento ou
convergência à esquerda, mas ainda não se viram grandes esforços para que, por
exemplo, o PCP faça parte desse entendimento ou convergência.
Certamente
que haverá vida para além do PCP, mas não é menos certo que, devido à
influência do PCP em certos meios, essa participação é fundamental, até para
não deixar à esquerda quaisquer dúvidas acerca do que cada um quer.
Ora
se não houver simultaneamente uma mobilização popular que apoie este objetivo,
os entendimentos por riba são sempre frágeis e passíveis de serem postos de
lado às primeiras dificuldades, pressões ou ingerências perfeitamente
imagináveis num mundo que vai momentaneamente em sentido contrário a esta
orientação.
A
dificuldade de se construir uma alternativa de esquerda não pode ser
ultrapassada por uma corrida de personalidades com um ou outro partido e proclamar
in hoc signo vinces.
É
preciso mais trabalho de fundo, que está sempre (para alguns) em contradição
com o calendário eleitoral.
Trazer
o PS, o PCP e o BE para uma negociação deste calibre exige muito músculo, mas
sem ele a alternativa pode ser coxa; sendo também certo que a História não está
dependente de um deles, dos dois ou dos três.
A
existência de vários sectarismos que têm caracterizado a vida política à
esquerda não se pode resolver com a declaração “solene” de que é preciso passar
do protesto à governação. Claro que é preciso isso e muito mais: um grande
debate que lime arestas e seja capaz de aglutinar estas forças na defesa do
Serviço Nacional de Saúde, da escola pública, de uma justiça para todos, da
Segurança Social, do crescimento do emprego. Estes são pontos inultrapassáveis.
A governação é torná-los viáveis e não uma caricatura, como faz a atual
maioria.
Para alcançar este objetivo,
se for preciso romper condicionantes da UE devem romper-se. Uma negociação
forte, com negociadores de costas erguidas e alianças com outros países nas
mesmas circunstâncias, pode tornar possível aquilo que os neoliberais querem
que seja impossível. As esquerdas têm esse dever. Resta o caminho a fazer.