A
actuação do ministério da Educação constitui um dos exemplos mais
paradigmáticos da falta de ética política e deslealdade deste Governo para com
os cidadãos portugueses. O pior é esta demonstração inequívoca de falta de escrúpulos
vir exactamente de um ministro e de uma área do Executivo onde menos se
esperaria.
O
texto seguinte (*), da autoria do prof. Santana Castilho, tem, para os leitores
a vantagem de recordar todos os truques e habilidades que o ministro Crato usou
até agora, com a maior desfaçatez, perante aqueles que lhe deveriam merecer o
maior respeito. Foram mais umas achas para a descredibilização da acção
política, já tão mal vista pelo comum dos cidadãos.
Sobre
a PACC (Prova de Avaliação de Conhecimentos e Competências) dos professores já
me pronunciei sobejas vezes, a primeira das quais nesta coluna, em 7 de
Fevereiro de 2008. O que passo a escrever tem duas finalidades: apelar à
memória escassa da maioria, para melhor compreendermos a atitude ignóbil de
Nuno Crato, e denunciar com frontalidade que a fixação do ministro no papel
sacro dos instrumentos de avaliação é demencial.
Com
o truque que todos conhecemos, para impedir que os sindicatos pudessem
apresentar um pré-aviso de greve, o ministro da Educação actuou sem educação
nem escrúpulos. Usou o capote da desfaçatez para bandarilhar uma lei da
República, que protege um direito fundamental. Portou-se como um caçador
furtivo a atirar sobre cidadãos que o Estado enganou, com dolo agravado por
habilidades grosseiras. E foi a primeira vez que assim se desvinculou da ética
política e da lealdade que deve àqueles que governa? Não, não foi! Os exemplos
repetem-se e há muito que vêm desenhando um carácter.
Foi
ele que, em início de mandato, revogou os prémios de mérito dos alunos, sem
aviso prévio e atempado, quando eles já tinham cumprido a sua parte.
Foi
ele que obrigou crianças com necessidades educativas especiais a sujeitarem-se
a exames nacionais, em circunstâncias que não respeitaram o seu perfil de
funcionalidade, com o cinismo cauteloso de as retirar, depois, do tratamento
estatístico dos resultados.
Foi
ele que, dias antes das inscrições nos exames do 12.º ano, mudou
unilateralmente as regras, ferindo de morte a confiança que qualquer estudante
devia ter no Estado.
Foi
ele que, a uma sexta-feira, simbolicamente 13, sem que se conhecessem os
créditos atribuídos às escolas, sem que as matrículas estivessem terminadas e
as turmas constituídas, obrigou os directores a determinarem e comunicarem o
número de “horários zero” para 2012-2013, sob ameaça de procedimento
disciplinar, lançando na angústia milhares de docentes com dezenas de anos de
serviço para, na semana seguinte, recuperar o que antes havia levianamente
subtraído. Foi ele que abriu esse concurso com uma lei e o encerrou com outra,
num alarde gritante de discricionariedade nunca vista.
A
conferência de imprensa, significativamente marcada para o horário nobre do dia
da prova da humilhação dos professores, mostrou-nos um ministro obcecado pela
vã glória que a jornada lhe proporcionou, incapaz de discernir, como qualquer
alienado, que o seu fundamentalismo patológico sobre o papel dos instrumentos
de avaliação está a destruir o sistema nacional de ensino. Os professores são
cada vez mais meros aplicadores das mediocridades do IAVE e cada vez menos
professores. O tempo do ensino é comido pela loucura de tudo examinar, com
provas cheias de erros inconcebíveis e qualidade duvidosa. Todo o ano, tudo se
verga aos exames e à alienação que provocam. Preparar exames, treinar para
exames, substituir tempos de aulas por tempos para fazer exames, corrigir
exames, tirar ilações de rankings, pagar a Cambridge e não
pagar aos nacionais. E, quando os problemas surgem, o ministro puxa pela cabeça
doente e chama a polícia. Sim, cidadão que me lê, olhe para as televisões e
reconheça que, quando se tornou banal a presença da polícia dentro das nossas
escolas, algo vai mal com a democracia que devíamos ensinar aos seus filhos.
Para
que serviu o segundo exame aplicado às crianças do 1.º ciclo do básico, um mês
depois de terem reprovado no primeiro, senão para mostrar que o modelo é
inadequado?
Para
que serviu a avaliação dos centros de investigação, senão para destruir o que
foi laboriosamente construído ao longo das duas últimas décadas, transferir
para o estrangeiro uma fatia do parco erário público e mostrar que a fraude é
permitida e fica impune?
Em
matéria de exames, é factual, o país nunca tinha assistido a tantos dislates
como os que o “rigor” de Crato já nos proporcionou: efectivação de provas na
ausência de secretariado de exames; exames realizados sem professores suplentes
e sem professores coadjuvantes; exames vigiados por professores que leccionaram
a disciplina em exame; ausência de controlo sobre a existência de parentesco entre
examinandos e vigilantes; salas invadidas e interrupção de provas; tumultos que
obrigaram à intervenção da polícia; desacatos ruidosos em lugar do silêncio
devido; sigilo quebrado com o uso descontrolado de telefones e outros meios de
comunicação electrónica; alunos e professores aglomerados em refeitórios;
provas iniciadas depois do tempo regulamentar.
Estes
exames e esta política vieram, no dizer de Nuno Crato, para conferir rigor e
exigência ao sistema e, nessa medida, o estabilizarem. Mostram as evidências de
que rigor falamos e demonstram os factos (e a polícia) que, em vez de
estabilidade, temos instabilidade como há muito não existia. Se alguma coisa
faz sentido é admitir que estes exames só servem um maquiavélico projecto de
elitização do ensino.
(*) Público
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