A
esperança que vem da Grécia é para ser realçada. As preocupações que a vitória
do Syriza está a provocar na direita europeia pela instabilidade que
supostamente vai criar são de saudar porque estão a causar alguma mossa no
radicalismo neoliberal que caracteriza a União Europeia defensora das políticas
de austeridade extrema aplicada em alguns países. O que estas políticas estão a
provocar, particularmente no sul da Europa, é um empobrecimento acelerado da
esmagadora maioria das suas populações. O que tudo indica neste momento é que
os governos em funções temem o êxito da aplicação de novas políticas que
libertem as pessoas do sufoco em que vivem.
Se
a tão propalada estabilidade nos levou ao ponto a que chegámos, então que experimentemos
a instabilidade. O que agora temos é tão mau que não há que conceder-lhe o mais
pequeno benefício da dúvida.
O
texto seguinte é da autoria de José Vitor Malheiros que com a sua reconhecida
qualidade analisa os resultados das eleições gregas do passado domingo.
1.
A grande novidade das eleições legislativas gregas é que a Grécia vai ter
finalmente um Governo grego, composto por gregos que se preocupam com a vida
dos cidadãos gregos e não um Governo de capatazes, preocupados acima de tudo em
não indispor os poderes financeiros do mundo e em obedecer às directivas das
forças ocupantes.
O
líder do partido espanhol Podemos, Pablo Iglesias, usou esta imagem, e ela é
correcta. Até agora, na Grécia, como em Portugal, temos tido Governos que
ascenderam ao poder para manter os seus países acorrentados à dívida. Governos
que juraram vassalagem aos mais ricos para poderem beneficiar um dia dos seus
favores, sacrificando para isso a liberdade, a dignidade, o bem-estar, a vida e
o futuro de milhões de cidadãos.
Governos
que tentaram destruir por dentro o Estado que construímos com o nosso trabalho
e que não hesitam em delapidar o património que não lhes pertence na esperança
de que, um dia, possam voltar a ajudar o inimigo a atacar de novo as muralhas
da cidade e as possam encontrar mais enfraquecidas.
Governos
que venderam a soberania nacional, que ofendem a memória de todos os que se
sacrificaram em defesa da democracia, que escarnecem daqueles que acreditam que
todos os indivíduos nascem livres e iguais em direitos. Fazem-no em troca de
uns lugares em futuros conselhos de administração, ébrios de alegria por
poderem ombrear com os ricos e com a consciência imperturbada dos que
consideram que a conta bancária é a medida de todas as coisas e a vida dos
pobres algo negligenciável.
Não
há nada mais vil do que esta traição que, não por acaso, durante milénios, em
todas as latitudes e em todos os povos, conheceu a mais radical das punições.
E,
por isso, é com alegria que saudamos a queda do Governo de Antonis Samaras,
como saudaremos com alegria o dia da queda de Passos Coelho, o
primeiro-ministro cuja ambição mais exaltante é ser o cãozinho de regaço da
chanceler alemã.
2.
O Governo grego de coligação Nova Democracia-Pasok-Dimar, agora derrotado nas
urnas, foi constituído e empossado em nome da necessidade de “estabilidade” do
país, como já o anterior Governo de Papademos tinha sido e outros antes destes.
Sabemos aonde levou esta “estabilidade”: desemprego de 25 por cento, desemprego
jovem de 60 por cento, dívida de 317 mil milhões de euros ou 177% do PIB, a uma
sociedade à beira do caos, com apoios sociais praticamente inexistentes para
uma população com uma pobreza crescente, ao êxodo de profissionais, a uma
economia destruída e sem motor de arranque à vista, a uma sociedade desesperada
e descrente.
A
vitória de anteontem do Syriza, segundo inúmeros analistas financeiros,
politólogos e muitos solícitos comentadores anónimos de vários Governos
europeus, corre, porém, o risco de aumentar a “instabilidade” da situação
grega.
Apetece
brincar e dizer que, se Samaras era a “estabilidade”, é urgente experimentar a
“instabilidade”,
mas é evidente que uma situação, por má que seja, pode sempre piorar e não
faltará por certo na extrema-direita económica que governa a Europa quem queira
aproveitar a vitória do Syriza para dar uma lição à esquerda e às veleidades de
autodeterminação dos povos e para mostrar que não se devem eleger políticos de
quem os bancos não gostam, cortando radicalmente o financiamento a Atenas e
recusando todas as negociações.
É,
no entanto, de esperar que algum bom senso prevaleça e que a Grécia não seja
transformada no barril de pólvora que pode incendiar a União Europeia. Mas
falemos desta “estabilidade” que a direita tanto aprecia e da “instabilidade”
que ela tanto receia.
É
evidente que, numa situação de paz, de progresso e justiça social, a estabilidade
é um valor. Mas quando a situação é a desagregação social e a injustiça da
Grécia, quando a situação é a desigualdade e a pobreza crescente que vemos no
nosso país, quando a situação são os probemas estruturais da economia e a
carência de financiamento dos dois países, é evidente que não é ética e
politicamente admissível defender a “estabilidade”, porque essa “estabilidade”
é apenas a paz podre onde os pobres morrem de fome sem reclamar.
Nos
países em crise, a situação actual exige instabilidade porque exige mudanças
drásticas. Não a destruição mascarada de estabilidade que vemos em Portugal,
onde a calma apenas esconde uma operação de pilhagem do património público em
nome da necessidade de “revitalizar a economia” com as privatizações, a par de
uma campanha de ataque aos direitos laborais denominada “reformas estruturais”,
mas uma instabilidade criativa, onde se admite a necessidade de inventar
verdadeiras soluções que sirvam as populações. Uma instabilidade inventiva e
honesta, onde será necessário correr riscos, mas onde os riscos que se correm
terão uma razão de que nos poderemos orgulhar.
Este é o desafio que nos
lança a Grécia de hoje. Um desafio a que respondemos com alegria porque, hoje
como ontem, somos todos gregos.
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