Toda
a atenção que se dê à denúncia da pobreza infantil e juvenil é pouca, pela
abrangência que este tema envolve e pelas consequências que terá a médio e
longo prazo. Por isso aqui fica a transcrição de um artigo de opinião da
politóloga Ana Rita Ferreira que transcrevemos do Público de ontem. Trata-se de
uma análise muito bem feita e que vale a pena ler com atenção.
Segundo
os últimos dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), em 2012, 24,4% das
crianças e jovens – um quarto da população com menos de dezoito anos – viviam
em situação de risco de pobreza. Um número preocupante, tanto mais que é
bastante superior à taxa de risco de pobreza apurada para a população
portuguesa em geral (18,7%), assim como à taxa média da União Europeia para
este grupo etário jovem (20,3%).
Quando
olhamos para a taxa de intensidade da pobreza em 2012, a percentagem de
crianças e jovens atingidos é de 33,1%, um número que também é superior à média
da população (27,3%) e à média da EU para este grupo etário (25,2%), o que
revela uma situação ainda mais assustadora.
Mas
quando falamos em pobreza infantil e juvenil, não falamos apenas neste grupo
etário, mas também nas famílias em que as crianças e jovens se inserem. Isso é
muito claro quando vemos que a taxa de risco de pobreza média entre famílias
sem crianças era, em 2012, de 15%, mas a taxa média para agregados com crianças
dependentes era já de 22,2%.
O
grupo etário dos menores de 18 anos apresentou sempre números inquietantes, mas
a tendência para o agravamento da pobreza entre crianças e jovens (e, portanto,
entre as famílias com crianças e jovens a cargo) aumentou muito nos últimos
anos. Ora, este aumento teve que ver quer com a redução de prestações sociais
dirigidas especificamente a crianças e jovens, quer com a redução daquelas que
eram dirigidas a todos os cidadãos, incluindo crianças e jovens, mas também
membros dos agregados familiares onde estes se inserem.
Se
observarmos, por exemplo, os números do Rendimento Social de Inserção, vemos
que, no final de 2013, esta prestação chegaria a pouco mais de 360 mil pessoas,
das quais cerca de perto de 166 mil (bem mais de um terço dos beneficiários)
eram menores de idade (em 2010, o número total de beneficiários era
ligeiramente superior a 526 mil, dos quais 248 mil eram menores). Mas, mais do
que isso, se o valor máximo do RSI, no final de 2014, era de 178,15
euros mensais, o valor médio pago era já de 91 euros mensais e o
valor pago a uma família por cada menor a cargo era, no máximo, 53,44
euros por mês. O próprio relatório da OCDE, de Outubro passado, lembrava
que as alterações levadas a cabo depois de 2010, ao nível da fórmula de cálculo
do rendimento para a determinação da elegibilidade e do valor do RSI,
acarretaram uma redução significativa do número de beneficiários elegíveis e
levaram, nomeadamente, a que mais de 50 mil crianças e jovens perdessem o
direito de acesso a esta prestação.
É,
de facto, impossível combater a pobreza infantil e juvenil quando se aplicam
condições de recurso muito mais restritivas à prestação social que é paga às
famílias mais pobres, que incluem muitas das que têm mais filhos. Este
endurecimento nos testes de meios fez com que muitas dessas famílias vissem
recusada esta prestação social aos seus membros, incluindo às suas crianças e
jovens, o que se reflectiu no aumento da pobreza entre este grupo etário. Igual
efeito teve a redução dos montantes pagos. Assim, estas alterações, ao nível de
uma prestação que não se destina exclusivamente a menores de idade,
contribuíram para o agravamento da pobreza dos seus agregados familiares e,
consequentemente, do grupo etário mais jovem.
E
se pensarmos no caso do abono de família, uma prestação paga apenas a famílias
com crianças e jovens, o cenário dos últimos anos também é preocupante. O abono
de família há muito que é calculado de acordo com escalões que reflectem os
rendimentos dos agregados familiares dos beneficiários. No entanto, se, em
2009, esta prestação era paga àqueles que integrassem famílias incluídas em
cinco escalões de rendimentos, indo até um montante máximo anual de cerca de
29.300 euros, actualmente mantêm-se apenas os três escalões de menores
rendimentos, o que quer dizer que apenas as crianças e jovens inseridos em
agregados familiares que recebam até cerca de 8800 euros anuais estão em
situação de elegibilidade para esta prestação. Assim, se, em 2009, havia cerca
de dois milhões e 850 mil crianças a receber abono de família, em 2013, o
número não chegava a um milhão e 295 mil. Excluiu-se uma grande faixa da
população jovem desta prestação – mas uma faixa que está longe de viver em
situação de desafogo financeiro. E os valores pagos são baixos: uma família do
escalão mais baixo com um filho recebe apenas 35,19 euros por mês, por
exemplo.
Enfrentar o problema da
pobreza infantil e juvenil passa por reabilitar a filosofia das prestações
sociais já existentes e instituir-lhes montantes dignos. Porém, com os números
alarmantes que o país revela, é muito possível que uma nova geração de
políticas sociais venha a ter de conceber um mecanismo equivalente ao Complemento
Solidário para Idosos para os menores de dezoito anos. Tal como o CSI combateu
a pobreza e as desigualdades entre os mais velhos, será necessária uma política
equivalente para garantir o mesmo efeito entre os mais jovens. E, assim,
assegurar que todos vivem acima do limiar da pobreza.
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