No
debate parlamentar sobre urgências hospitalares que hoje teve lugar, o deputado
João Semedo afirmou com toda a propriedade que “a política do ministério daSaúde pode poupar muitos euros, mas não poupa vidas”, como se tem verificado
por estes dias, com a morte de alguns pacientes à espera de vez para serem
atendidos nas urgências.
É
óbvio que estas situações só acontecem devido à política de cortes sucessivos
no orçamento da saúde depauperando cada vez mais o SNS.
Também
parece claro para todos os que se debruçam sobre esta problemática que a degradação
do SNS tem por finalidade o favorecimento do negócio das clínicas privadas que,
não por acaso, nascem por todo o país como cogumelos…
Todas
as falhas que têm vindo a verificar-se no sector público da saúde estão, muitas
vezes, a ser atribuídas aos profissionais desta área, numa monstruosa campanha
promovida discretamente pelo ministério da Saúde e que conta com a colaboração –
consciente ou não – de alguns jornais e jornalistas.
É
este o tema de um artigo de opinião que José Manuel Silva, bastonário da Ordem
dos Médicos, assina hoje no Público.
A
30 de Dezembro, o principal título de primeira capa do PÚBLICO era 720 euros
por dia ainda não atraíram médicos ao hospital Amadora-Sintra e o título
interior afirmava Amadora-Sintra ainda não conseguiu contratar médicos mesmo a
30 euros por hora.
A
maioria das pessoas apenas lê títulos e os jornalistas, que são pessoas
informadas e inteligentes, sabem que ambos os títulos mentem, pelo que a
intenção de enganar as pessoas é explícita e deliberada.
Efectivamente,
o texto nunca refere que esse valor é pago às empresas intermediárias e não aos
médicos, que recebem muito menos. Por outro lado, para o leitor comum, um dia
de trabalho são oito horas, não 24 horas de trabalho intenso, complexo, sob
enorme pressão e sem possibilidade de erro.
Na
verdade, o que o médico recebe, descontado o lucro da empresa intermediária e
depois de impostos, são cerca de 288 euros por 24 horas de um trabalho seguido,
stressante e extenuante, montante a que ainda tem de deduzir as suas despesas.
Qualquer mecânico ganha muito mais e com muito menos trabalho, cansaço e
responsabilidade!
A
31 de Dezembro, outro jornal diário escolheu para principal título da capa Farmacêuticas gastam 60 milhões com médicos. O título mente
descaradamente, pois, no texto do artigo, correctamente, já se fala também,
como receptores desses apoios, em sociedades científicas, associações de
doentes, farmacêuticos, estudos de investigação, etc.
Então,
porque é que o jornal pretendeu, deliberadamente, passar a mensagem, para quem
apenas lê títulos nos escaparates e para os que vêem apenas a primeira página
(nomeadamente em todas as televisões), de que o financiamento era
exclusivamente para médicos, alimentando subliminarmente, de forma potenciada,
a ideia de promiscuidade entre indústria e médicos?
Estes
são dois exemplos bem concretos e recentes de como, regularmente, saem notícias
na comunicação social cujos títulos são construídos propositadamente para,
junto da opinião pública, afectar a dignidade e honorabilidade de todos
médicos.
A
quem serve este comportamento de alguma comunicação social? Apenas ao
Ministério da Saúde, cujos assessores de imprensa, principescamente
remunerados, têm conduzido uma campanha de descredibilização dos médicos para
procurar ocultar a responsabilidade do ministério na desorganização e
diminuição da capacidade de resposta do SNS aos legítimos direitos dos doentes.
As situações reportadas sobre a enorme congestão das urgências hospitalares são
perfeitamente terceiro-mundistas e inaceitáveis. Há doentes que morrem sem a
devida assistência.
A
notícia do PÚBLICO ignora completamente a grave responsabilidade do Ministério
da Saúde em não permitir que o Hospital Amadora-Sintra tivesse contratado
atempadamente os profissionais de que necessitava para responder ao previsível
maior afluxo de doentes, até porque permitiu o encerramento dos centros de
saúde vários dias seguidos. Além de que não é na véspera de períodos festivos
que se tenta desesperadamente contratar médicos, certamente com a sua vida já
programada de forma diferente, e o preço/hora real de um médico em serviço de
urgência, um dos trabalhos mais exigentes de qualquer profissão, é absurdamente
baixo!
O PÚBLICO
omitiu ainda as causas profundas da permanente desorganização e congestão das
urgências hospitalares, o que não acontecia até há poucos anos, apesar de o
ministério dizer que há cada vez mais médicos no SNS. A que se deve esta
contradição, afinal? Precisamente às medidas erradas, contraproducentes e de má
gestão tomadas por este Ministério da Saúde! Nomeadamente a redução do tempo de
abertura dos centros de saúde, os bloqueios à Reforma dos Cuidados de Saúde
Primários, o facto de os hospitais estarem proibidos de contratar directamente
médicos em prestação de serviços e de os contratos com as empresas,
completamente protegidas pelo Senhor Ministro, não conterem cláusulas de
salvaguarda dos dias festivos.
As
falhas das empresas já se arrastam impunemente há anos e, apesar de
repetidamente avisado pela Ordem dos Médicos, só agora é que o ministro da
Saúde vem dizer para a comunicação social que vai aplicar multas...
O
outro jornal diário ignorou completamente que se não fossem os apoios da
indústria farmacêutica, que são legais e transparentes, a actualização e
investigação científica dos médicos e outros profissionais seria gravemente
afectada, com prejuízo dos doentes, para além de que as sociedades científicas
e associações de doentes teriam praticamente de fechar as portas, porque o
Ministério da Saúde não assume as suas obrigações e não disponibiliza quaisquer
apoios significativos.
A
questão que não posso deixar de formular é por que razão, recorrendo claramente
a uma forma de mentir, há jornalistas e jornais que se colocam a par do
Ministério da Saúde numa embusteira campanha de difamação da classe médica? Ao
mesmo tempo, branqueiam as tremendas responsabilidades deste ministério nas
cada vez maiores dificuldades de funcionamento do SNS de acordo com os seus
preceitos constitucionais.
Se
o jornalismo é “isto”, então temos mesmo razões concretas para duvidar deste
“jornalismo”, que tem muito espaço por onde melhorar... O jornalismo sem
ética e sem independência deveria ser uma excepção, combatida activamente por
todos os jornalistas. Exactamente como a Ordem dos Médicos procura fazer no
seio da sua classe, atitude que culminou recentemente com algumas suspensões e
expulsões.
Porquê este ataque permanente
aos médicos, se é a resiliência e a capacidade dos médicos portugueses que,
contra os cortes excessivos na Saúde, que também os atingem pessoalmente, vão
conseguindo manter o SNS a funcionar com um mínimo de qualidade? Para retirar
as atenções dos verdadeiros culpados pelas perdas e insuficiências da Saúde em
Portugal?
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