As
alterações verificadas na Grécia na sequência das eleições do passado domingo
continuam a ser seguidas com muita atenção por toda a Europa porque poderão dar
lugar a importantes alterações no statu quo político vigente no continente
europeu. A “hegemonia imperial alemã”, que tem vindo a crescer a olhos vistos, está
a tornar-se insustentável para muitos países e a situação actual não poderá
manter-se indefinidamente.
O
texto seguinte (*), que transcrevemos do Diário de Coimbra de ontem (29/11), aborda
a situação na Grécia e a acção da hegemonia alemã.
Setenta
anos depois da libertação de Auschwitz-Birkenau pelas tropas soviéticas,
relembro que os gregos conseguiram suportar todos os ataques de Mussolini, só
capitulando, em Abril de 1941, quando a Wermacht hitleriana entrou em combate.
Quando
a guerra acaba, já num país meio destruído, eis que surge uma guerra civil
entre antifascistas/comunistas e os conservadores/monárquicos, que acaba com o
que resta em 1949. Progressivamente, a Grécia vai procurar o seu caminho até
que, por alegado envolvimento soviético nos meandros do poder, se proporciona
um golpe de estado com o apoio americano, conduzindo à ditadura dos coronéis,
que governa o país (1967/74).
Hoje,
eis-nos perante um povo magnífico, mas deliberadamente humilhado por uma coisa
chamada “tróica”, forma suave de designar a hegemonia alemã, que também nós
conhecemos, pelo menos, a grande maioria dos que paga os seus impostos e não tem
acesso a paraísos ou deslocalizações fiscais, nem capacidade financeira para
deixar o serviço público da saúde ou da educação.
A
troika sabia a calamidade que ia provocar na sociedade grega e a humilhação que
daí decorreria. Para não evocar as críticas surgidas em revistas científicas ou
nos media, ainda não controlados pelo poder financeiro, basta evocar o estudo
económico que ela própria promoveu (www. brugel.org), do relatório arrepiante
do FMI (Junho, 2013), que procurou sempre ficar na confidencialidade ou do
documento, da responsabilidade do parlamento europeu (Fevereiro, 2014), em que
o deputado coordenador a acusa de atuar “mais como carniceiro do que como
cirurgião”.
Esta
segunda-feira, fui informado por um amigo grego com quem trabalhei num projeto
europeu sobre “defesa patrimonial em zonas costeiras”, de que o ministro das
finanças do novo governo de esquerda radical (Syriza) seria o economista Yannis
Varoufakis, bem conhecido pela sua contribuição a “uma modesta proposição para
resolver a crise do euro” e que só encontra uma solução plausível para
ultrapassar a crise, que passa pelo BCE assumir uma parte da dívida soberana de
cada estado membro, equivalente a 60% do PIB, que o seu pagamento só possa
acontecer quando o país cresça nominalmente mais de 3,5% do PIB, a criação de
um pilar do relançamento económico com o apoio do Banco Europeu de
Investimentos, a par de um conjunto de reformas internas, visando combater a
cleptomania e a oligarquia gregas e uma resposta imediata à crise humanitária e
à “calamidade social”, já que um terço da população está abaixo do limiar da
pobreza e 1,5 milhões já não disfruram de assistência médica ou de apoios
sociais, além de uma taxa de desemprego superior a 50% para os jovens.
Para
o demógrafo e antropólogo Emmanuel Todd – o primeiro a anunciar a queda do
império soviético, vinte anos antes de tal acontecer – a questão de fundo é a
da Europa de hoje ser a Europa alemã que funciona oligarquicamente, com uma
política de austeridade que assegura a total dominação germânica (credora), com
a submissão dos povos periféricos (devedores).
Na
entrevista que concedeu à revista Marianne, Todd vai mais longe ao afirmar que
a democracia liberal igualitária já não existe no espaço europeu. “Há uma
democracia étnica”, sob a hegemonia imperial alemã que entrou no “delírio megalómano
dos heróis gregos””.
Por
enquanto, as classes dirigentes dos países europeus, incluindo a França – a prática
de Passos Coelho fala por si – ainda vão a Berlim receber ordens, mas não tarda
nada que o processo seja feito, por correio electrónico, no que qualifica como “uma
humilhação voluntariamente aceite”.
Até quando? A senhora Merkel
deverá ter a resposta, já que somos impotentes para a dar.
(*) João Marques, diplomado em Ciências da Comunicação
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