O
empobrecimento das periferias europeias é um facto mas não foi isto o prometido
aos povos destas zonas quando se criou a União Europeia e a moeda única. A agressividade
das medidas de austeridade implementadas tem atingido, sobretudo, os mais
pobres e provocado um crescimento das desigualdades. Não há forma de esconder
esta realidade e as populações sentem-no de forma absoluta como uma tremenda
injustiça. Num prazo que não se pode prever, caso se insista nos erros actuais,
o euro vai acabar. Se é para isto que foi criada a moeda única, que constitui
um tremendo espartilho para os pequenos países, então, não vale a pena
continuarmos com ela.
Os
dados que o Instituto Nacional de Estatística (INE) tornou públicos há poucos
dias relativos às condições de vida e rendimento dos portugueses em 2013 tornam
claro o dramatismo que várias situações sociais tomaram em Portugal.
O
texto seguinte (*), que transcrevemos do Público online de hoje, analisa os
números fornecidos pelo INE e tira algumas conclusões.
Tem
havido duas vias, dominantes, de encarar o empobrecimento das periferias
europeias, face aos processos de ajustamento austeros feitos na zona Euro.
A
primeira vê nas diferenças acentuadas de rendimentos entre nações um mal menor,
que se resolve com a mobilidade das pessoas. Minimiza a desertificação das
regiões. A secundarização deste problema fará sucumbir a União Económica e
Monetária (UEM). A história europeia, e outras, demonstram que estas situações
levarão a tensões perigosas, bélicas ou não, bastando ver as reações xenófobas
crescentes que por aí andam.
A
segunda considera estes ajustamentos agressivos uma forma de repor a justiça,
mesmo que possam ser economicamente errados, havendo que pagar os erros
supostamente feitos. O ajustamento é encarado como uma punição moral. Estas
visões moralistas, de nações eticamente hierarquizadas, já se revelaram,
também, dramáticas na Europa.
Ou
uma ou outra via matará a zona euro.
Recentemente,
em Portugal, foram conhecidos, pelo INE, os dados do Inquérito às Condições de
Vida e Rendimento, realizado em 2014, com dados de 2013. Neles estão o retrato
social de dois anos de aplicação do memorando e de gestão deste Governo.
Dos
dados do inquérito surge uma conclusão: o país tem empobrecido
significativamente desde a entrada da troika, em termos relativos e absolutos, e
empobreceu desigualmente, com o estrato mais pobre da população a pagar mais
intensamente a austeridade do que os mais abastados.
Os
dados são claros sobre várias situações sociais dramáticas.
A
população em risco de pobreza é hoje significativamente maior (19,5%),
afetando, só no último ano, mais 80 mil pessoas. Desde 2011, mais 160 mil. A
diminuição destes valores era uma constante após o Governo de Durão de Barroso.
Foi interrompida em 2011.
Aumentou
a desigualdade na distribuição do rendimento, seja comparando os 10% mais ricos
com os mais pobres, seja comparando os 20% mais pobres e ricos, neste caso,
dois milhões de pessoas de cada lado. As diferenças passaram a ser,
respectivamente, de 6,2 e de 11,1 vezes.
O
trabalho, em Portugal, não é uma condição suficiente para deixar de se ser
pobre, aumentando a proporção dos trabalhadores em risco de pobreza (10,7%).
Mais
de 25% dos jovens, com menos de 17 anos, portanto um em cada quatro, vive numa
situação de pobreza, o que a torna um fenómeno mais perene, injusto e difícil
de combater.
Dentro
dos pobres, a intensidade de pobreza aumentou em desfavor dos ainda mais
débeis.
Por
fim, quase 11% dos portugueses vive em privação material severa, o que
significa uma subida de 2,3 pontos percentuais face a 2011.
Se,
porventura, fixarmos o valor-limite da pobreza no valor de 2009 (cerca de 400€
acima do atual), o risco de pobreza estaria, inclusivamente, em 2013, em 24,9%
– 5,4 pontos percentuais acima dos referidos atrás, pois, nos últimos anos, o
país verificou uma redução significativa do PIB.
Estes
dados, no seu dramatismo social, provam várias coisas. Que a austeridade afetou
mais os mais pobres. Que tornou o país mais desigual. Que, no domínio social,
foi um desastre, a par de não ter resolvido os principais desequilíbrios
económicos.
Demonstram
os números, ainda, que a pobreza é uma das grandes causas da desertificação
demográfica que afeta as periferias da zona euro, incluindo Portugal. A pobreza
impele as pessoas a emigrar. A pobreza diminui a capacidade potencial de os
países crescerem. A pobreza duns, face à riqueza doutros, numa UEM sem política
de rendimentos, que complemente os princípios orçamentais rígidos, mina e
minará a moeda única e a União Europeia.
(*) Francisco Madelino, Professor do ISCTE e
ex-presidente do IEFP
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