Quem
actualmente vê noticiários televisivos, ouve noticiários radiofónicos ou lê
jornais nota na perfeição a orientação ideológica dos nossos meios de
comunicação social, tendo por base os resultados das eleições gregas como o que
aconteceu com o exemplo paradigmático do inefável José Rodrigues dos Santos.
Não sendo caso único, nem pouco mais ou menos, é o mais óbvio mas há outros que
escondem muito bem as suas intenções. Por esse motivo é muito importante
estarmos atentos ao que por aí se escreve e diz, para não sermos enganados
relativamente à realidade que nos cerca.
O
jornalista José Vítor Malheiros é um dos mais credíveis da nossa praça e, por
isso, é aconselhável estarmos atentos à sua mensagem como acontece no seguinte
texto, que transcrevemos do Público de hoje, tendo como pano de fundo a vitória
do Syriza na Grécia e todas as movimentações levadas a cabo pelos novos
responsáveis helénicos e pelos donos disto tudo a nível europeu.
1.
Pedro Passos Coelho nunca surpreende. Sempre que existe uma oportunidade para
mostrar uma réstea de dignidade pessoal, alguma ténue preocupação com os
cidadãos do seu país ou um lampejo de sentido patriótico, Passos Coelho exibe a
sua natureza e faz a única coisa que sabe: obedece ao que julga serem os
desejos do seu suserano.
Foi
assim com a notícia da vitória do Syriza na Grécia, com o anúncio das primeiras
posições do Governo grego e foi assim com a proposta grega de uma conferência
internacional sobre a dívida. Tudo acontecimentos que qualquer Governo
português, independentemente da sua cor política, deveria receber com algum
agrado, porque reforçam a nossa posição negocial como credores no seio da União
Europeia, mas que Passos Coelho preferiu criticar ecoando os ditames da voz do
dono. O Governo grego quer defender a dignidade e a vida dos gregos e Passos
Coelho não suporta esse atrevimento. Passos Coelho nem percebe como é que
Tsipras não considera uma honra servir os poderosos deste mundo e lamber a sola
cardada das suas botas, deleitando-se na volúpia da submissão. Passos Coelho
não é mais papista que o Papa: é apenas mais alemão do que Angela Merkel e mais
obsceno do que Miguel de Vasconcelos.
2.
Tsipras vai ter de voltar atrás, o Syriza vai recuar, Varoufakis tem de engolir
uns sapos, a Grécia vai renegar as suas promessas, aquilo era um conto de
crianças, a Alemanha vai-lhes partir as costas, as pernas, os braços, os dentes
e Portugal vai ajudar com todo o gosto, a Espanha também e a Itália e a França
vão ter medo de se meter ao barulho. Uma parte da imprensa nacional e
internacional rejubila com a mais pequena intervenção onde um dirigente do
Syriza fale sensatamente porque isso significa que estão “a recuar”.
Na
realidade, a negociação ainda nem começou de facto e, como é habitual, deverá
envolver múltiplos ajustamentos nas posições dos negociadores.
Muitas
das vozes interessadas em enfraquecer a posição grega sublinham o facto de os
gregos terem deixado de usar a expressão “perdão”, mas isso é irrelevante. A
Grécia exige e precisa de renegociar a sua dívida, mas se isso é feito por
corte do capital em dívida, por redução dos juros ou por alargamento dos prazos
(que pode ser uma transformação de parte da dívida em dívida perpétua) é
indiferente. Quanto a dívida perpétua, soubemos nos últimos tempos que a Inglaterra
só agora vai pagar dívidas que contraiu no século XVIII e que a Alemanha só em
2010 pagou o que sobrava da sua dívida da I Guerra, havendo ainda hoje contas
por acertar – nomeadamente com Portugal.
Em
todos os casos, a renegociação da dívida grega, que terá de acontecer se não
quisermos aceitar o pior, significará perdas para os credores. Mas a garantia
de que irão receber é uma vantagem importante. E a manutenção de alguma
concórdia na Europa também.
Como
em todas as negociações, nesta é importante que nenhum dos negociadores perca a
face e, por isso, é preciso dar algum desconto às declarações das várias
partes. A Alemanha precisará de dizer que fez recuar a Grécia e que a obrigou a
retirar a exigência de haircut.
A Grécia precisa de dizer que conseguiu obrigar a UE a reescalonar pagamentos
de acordo com as possibilidades da sua economia. Isto, se tudo correr bem. Mas
o que é evidente para quem leia jornais é que há demasiada gente empenhada em
que não corra bem e apostada em inquinar a discussão. Gente para quem é
importante fazer da Grécia um exemplo para que mais nenhum governo de esquerda
seja eleito na Europa, para que mais ninguém se atreva a contestar os credores
ou a pôr em causa o poder da Alemanha. Por agora, Merkel tenta apagar um fogo
na Ucrânia mas brinca com o fogo na Grécia.
3.
Por agora, a posição da Alemanha é de total intransigência. Apesar de saber que
a intransigência não permitirá que a Grécia pague a sua dívida mais cedo. Não
faz sentido? Faz, se o objectivo for manter a Grécia numa eterna dependência.
E, de caminho, todos os outros países devedores, como Portugal. Faz, se o
objectivo for transformar a dívida numa renda eterna, de que os alemães irão
beneficiar para sempre e que irá escravizar os gregos e os portugueses durante
gerações. As invasões das novas guerras já não se fazem com soldados no
terreno. Se se quer conquistar um país, é mais fácil escravizá-lo pela dívida.
A Alemanha, último país da
Europa a usar mão-de-obra escrava em massa, conhece as vantagens do processo.
Muitos dos grandes empórios alemães cresceram assim, sobre o trabalho gratuito
de milhões de escravos que, durante a última guerra, chegaram a representar 20%
da sua mão-de-obra e cujos sobreviventes só muito recentemente começaram a ser
indemnizados com quantias pouco mais que simbólicas. Um empréstimo forçado, sem
juros, com longa maturidade, ainda largamente por pagar, que não indigna os
comentadores. Milhares de empresas como o Deutsche Bank, a Siemens, a
Volkswagen, a Hoechst, a Allianz, a BASF, a Bayer, a BMW cresceram assim. A
Alemanha sabe que não o pode voltar a fazer, mas a escravidão da dívida
assegura a melhor alternativa.
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