O
texto seguinte (*), que transcrevemos do Diário de Coimbra de ontem (12/2), constitui
uma curta reflexão sobre o sistema ignóbil que tomou conta do planeta, em
benefício de uma cada vez mais pequena minoria. Alguns exemplos do que
actualmente se passa na Europa são mais do que reveladores de que os mandantes
dessa minoria não olham a meios para submeterem (quase) tudo e (quase) todos a
essa entidade mítica designada por mercados e pelo capital financeiro. Os beneficiários
são esses 1% da população que em 2016 possuirão metade da riqueza mundial.
O
pensar verdadeiro e de forma filosófica só pode ser feito em alemão ou grego
antigo, como dizia o filósofo Martin Heidegger, no seu nazismo e antissemitismo
convictos que os “cadernos negros” há anos editados, apenas confirmaram.
Doutorada
em física, aceita-se que a chanceler alemã não se interesse demasiado pela
complexidade do pensamento das teorias do conhecimento à metalógica, mas tinha
a obrigação de saber que, na ascensão do fascismo se encontra austeridade e
pobreza, tese que não levanta quaisquer dúvidas e bastará ler o livro do historiador
inglês Adam Tooze, ainda sem tradução portuguesa (O salário da destruição –
Formação e ruína da economia nazi, 2006).
De
igual forma e independentemente das reuniões do Eurogrupo, ontem [11/2]
concluídas, não pode ignorar o pedido grego de indemnização pela ocupação alemã
do seu território na II Guerra Mundial, nomeadamente sobre valores retirados do
banco nacional grego, em 1942, sob a forma de “empréstimo obrigatório” e que
uma comissão científica do seu próprio parlamento (Bundestag) avaliou em €8,25
mil milhões, em 2012, de acordo com o semanário “Der Spiegel” (spiegelonline,
2/4 de fevereiro).
Entretanto
o Banco Central Europeu (BCE), num dos intervalos do seu aguardado plano de
copiar o modelo americano, japonês ou inglês de injeção de liquidez nos
mercados, anunciou que iria deixar de aceitar, como colateral, a dívida
helénica, quando os gregos fizessem operações de financiamento. Com o aplauso
declarado do ministro das finanças alemão e do jovem primeiro-ministro português,
o argumento era de que violava as convicções e tratados europeus e que nunca
tinha sido feito antes , afirmação que é uma rotunda mentira.
Basta
recordar – o espaço não me permite entrar em detalhes deliciosos – que o BCE
teve de engolir, em março de 2013, um conjunto de obrigações emitidas pelo estado
irlandês no valor “insignificante” de €34 mil milhões, com uma maturidade a 36
anos e um juro médio inferior a 3%, num processo que se inicia com a falência
de dois dos principais bancos privados, processo deliberadamente ignorado pelos
nossos delegados governamentais nas negociações com a tróica.
Para
quem gostar de trabalhar a informação ou, simplesmente, pretender ser um cidadão
informado, situação cada vez mais complexa, as revelações contidas no “SwissLeaks”,
relativas ao banco HSBC e à sua filial em Genebra, incidindo sobre monumentais
fugas ao fisco, num imparável sistema mundial de agiotagem e no período
compreendido entre novembro de 2006 e março do ano seguinte, atingem os €180
mil milhões, distribuídos por cerca de cem mil clientes em vinte mil sociedades
offshore.
No
mesmo dia em que foram divulgadas as investigações coordenadas pelo jornal francês
“Le Monde” com a colaboração de mais 145 jornalistas de 45 países – Portugal mais
uma vez ausente, o que se justifica por ser um paraíso natural – foi revelado
que os acionistas das quarenta empresas da bolsa de Paris receberam €65 mil
milhões, só em dividendos.
Tem
razão o ministro das finanças grego Varoufakis em comparar este sistema ao
temível monstro grego Minotauro, com corpo de homem e cabeça de touro.
Mas
se um dia me esquecer de tudo, espero envelhecer tomando café em Creta com o Minotauro,
sob o olhar de deuses sem vergonha – já escrevia Jorge de Sena (Poesias III). E,
está quase tudo dito.
(*) João
Marques, diplomado em Ciências da Comunicação
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