Do
Diário de Coimbra de hoje retirámos este interessante texto eivado de ironia
mas muito adequado aos tempos que correm.
De
D. Afonso Henriques, rei dos tempos da Fundação da Nacionalidade, temos a admiração
e o dever ao respeito.
Na
mira dos méritos devidos a D. Afonso Henriques, logo no início do mandato deste
governo, Passos Coelho primeiro-ministro saiu-se com a vontade de proceder a
uma “Refundação do Estado”. Assim mesmo, “Refundação do Estado” e não Fundação,
porque essa já tem patrono. “Refundação” com prefixo a querer dizer que o que
está, é para renovar, porque já não serve e assim emparceirar em glória com D. Afonso
Henriques e, mais tarde, ficar na história com um D. Passos e com direito a
estátuas.
Até
aqui nada de especial. Presunção e água benta!...
Ao
ler o romance “História do Cerco de Lisboa” do saudoso Nobel da Literatura, José
Saramago, pelas páginas do livro fiquei a saber que D. Afonso Henriques, nas
suas andanças para sul em conquistas aos mouros, na nobre missão da Fundação de
Portugal, comandou gente fraca, de bravura mole, tropas desmotivadas, já
naquele tempo com salários em atraso, tropas de emprego precário e que na
impossibilidade de as espicaçar à bravura por limitações de orçamento e por
imposições de austeridade, achou por necessário recompensar seus homens concedendo-lhes
o direito ao saque das cidades conquistadas.
Assim
foi. Mas logo notou que as coisas corriam mal. A ganância exagerava no roubo, a
corrupção alastrava. Para que houvesse alguma disciplina, alguma honestidade e
alguma contenção apontou como norma que as actividades de saque ou roubo, que é
a mesma coisa, só começavam quando o Corneteiro de sua confiança pusesse na
corneta toque acordado como sinal de início de saque e que ao segundo toque do
Corneteiro o saque, ou roubo que é a mesma coisa, findava rigorosamente logo.
Assim
foi mas por pouco tempo.
Aconteceu
que numa cidade conquistada, o Corneteiro deu toque de início do saque, ou roubo
que é a mesma coisa, mas nunca mais deu o toque de fim do saque, ou roubo que é
a mesma coisa, ou porque perdeu a corneta, ou por doença contagiosa contraída
entre os povos conquistados, ou porque tenha emigrado para outras bandas com
garantias de ordenado certo, ou porque se tivesse encantado e apaixonado por
alguma moura e se tenha convertido ao credo islâmico ou porque também ele se
tenha deixado levar pela ganância do saque, ou roubo que é a mesma coisa.
Agora
percebo. A culpa do que agora se passa é mesmo de não termos Corneteiro.
Assim
se explica. Estamos há longos séculos sem mais ouvir o toque do Corneteiro que
ponha fim ao saque, ou roubo que é a mesma coisa, e é por essa desgraça que há muitos
séculos temos umas elites que rodeiam pretensos fundadores do Estado a saquear
ou a roubar as cidades e nada escapa à ganância dos ditos e assim vemos o
património que é das cidades, do país, de todos nós a desaparecer por
saqueadores que por aí andam sem que Corneteiro toque o fim do saque, ou roubo
que é a mesma coisa.
E
assim se explica o saque ou roubo que anda pelos bancos e pelas empresas
públicas, e nada escapa ao saque ou roubo, que é a mesma coisa, e também as
pensões dos mais idosos, e os ordenados de quem trabalha não escapam ao saque, ou
roubo que é a mesma coisa.
Procura-se
Corneteiro que com seu toque ponha fim a este continuado saque, ou roubo porque
é a mesma coisa, ou corrupção que vai dar ao mesmo.
Do
Dicionário da Língua Portuguesa, significado de saque: s.m. acto de saquear, roubo público legitimado, pilhagem.
No
Brasil também significa “conversa de mentiroso”.
Coincidências!
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