Tal
como se fosse uma imposição da troika, temos de começar a entranhar a ideia de
que pagar impostos é coisa para ser exigida a quem vive do seu trabalho, aos
pensionistas e, de um modo geral aos titulares de pequenos rendimentos. Todos os
dias se constata que o pagamento de impostos não é coisa para se exigir aos
ricos. Tantas são as histórias de gente rica e poderosa que se escapa com a
maior das facilidades às suas obrigações fiscais que talvez passe a ser de bom-tom
as entidades oficiais, pura e simplesmente, os dispensarem de tamanho
sacrifício. Acabava-se a necessidade da criação de paraísos fiscais, de
investigações que quase sempre acabam em nada, de processos judiciais onde
igualmente nada se prova, enfim, num tempo de vacas magras poupava-se imenso
dinheiro ao erário público…
O
exemplo, que hoje aqui trazemos por iniciativa de José Vitor Malheiros no
Público, foi conhecido há bem pouco tempo e tem a ver com “a isenção do
pagamento de taxas urbanísticas no valor de cerca de 1,8 milhões de euros
relativas a obras a legalizar ou a realizar junto ao Estádio da Luz”. Obviamente
que o beneficiário é a grande empresa Benfica para a qual a lei não é idêntica à
que se aplica aos pequenos proprietários que, uma vez apanhados numa pequena obra
ilegal são obrigados a paga multas e a colocar tudo conforme a lei. Mas o
problema de fundo tem a ver com o autor da iniciativa do perdão ao Benfica ser António
Costa, candidato do PS a primeiro-ministro nas eleições do próximo Outono.
Estamos, pois, esclarecidos…
Nos
últimos anos, devido à crise financeira, económica, social e política (que o
país não atravessa mas onde estagnou) e devido aos sacrifícios impostos aos
portugueses pela austeridade do governo PSD-CDS, temos discutido muito a
captura do aparelho de Estado por interesses particulares.
Temos
falado do sequestro dos maiores partidos políticos pelos interesses financeiros
mediados pelos grandes gabinetes de advogados que representam o verdadeiro Eixo
da Governação, assim como dos privilégios de tratamento dado a diferentes
organizações conforme a sua generosidade e a sua proximidade do poder - com
Ricardo Salgado e o BES num lugar de destaque debaixo do baldaquim dourado dos
favores públicos, ao lado dos destacados militantes do PSD que levaram o BPN à
sua glória.
Com
maior ou menor repugnância, habituámo-nos a ver os banqueiros, os advogados de
negócios, os consultores fiscais e os construtores civis aconchegados ao seio
generoso do Estado ao mesmo tempo que pregam os benefícios do empreendedorismo
e a conveniência de passar para o seu bolso e o dos seus patrões os bens que
ainda sobrem no erário público.
No
entanto, temo-nos esquecido de uma importante categoria de privilegiados pelos
favores do Estado que uma recente decisão do executivo camarário de António
Costa em Lisboa veio trazer de novo à luz: os clubes de futebol.
Na
semana passada, a Câmara de Lisboa aprovou (com os votos favoráveis do PS e os
votos contra do PSD, CDS, PCP e de uma vereadora do movimento Cidadãos por
Lisboa) a isenção do pagamento de taxas urbanísticas no valor de cerca de 1,8
milhões de euros relativas a obras a legalizar ou a realizar junto ao Estádio
da Luz. De acordo com o pedido de “ampliação/regularização” do Estádio da Luz
submetido pela empresa Benfica Estádio-Construção e Gestão de Estádios, S.A,
27.500 metros quadrados já foram construídos sem licença e o clube pretende
“regularizar” a situação. E 10.700 metros quadrados são construção nova que o
clube também agradece que sejam isentos de taxas. Diga-se que, na parte que se
refere à regularização de obras já feitas, o único partido que votou contra foi
o PCP tendo os restantes indignados votado a favor neste particular.
A
decisão é uma vergonha e um escândalo que atropela os mais elementares
critérios de equidade e de justiça e que não pode deixar de indignar
profundamente todos os cidadãos que, com sacrifícios, cumprem as suas
obrigações fiscais e que não vêem a sua rectidão premiada com perdões de multas
e isenções de taxas. E, no actual contexto de austeridade e empobrecimento
generalizado da população, a decisão é mais vergonhosa ainda. Não existe
qualquer razão aceitável para oferecer 1,8 milhões de euros a um grande clube
de futebol como o Benfica e há ainda menos justificação para premiar as
violações já cometidas pelo clube.
A
história é simples: a Câmara fechou os olhos porque se trata do Benfica. E as
isenções foram concedidas porque se trata do Benfica. Estou a dizer que António
Costa ou Manuel Salgado são benfiquistas? Não sei se são, nem tal coisa me
interessa, nem é isso que está em causa. Os perdões e as isenções foram
concedidas porque o Benfica é uma organização poderosa, influente, e a lei não
é igual para todos. Há uma lei para um pequeno proprietário que faz uma obra
ilegal e é obrigado a pagar multas e a demolir o que construiu e outra para uma
grande empresa como o Benfica.
É
esta a mensagem que António Costa e o seu vereador Manuel Salgado deixam clara
com esta decisão. Que o presidente da Câmara de Lisboa seja actualmente também
o secretário-geral do PS e candidato a primeiro-ministro só torna o caso mais
sério e mais sórdido.
Mais
sério porque este acto revela uma atitude (de desrespeito pela equidade da lei)
e um critério (de privilégio dos poderosos) que, a ser posto em prática num
futuro Governo PS, não promete nada melhor do que o actual Governo.
Mais
sórdido porque a única razão para um tal benefício do Benfica é a boa vontade
que se pretende conquistar entre os adeptos do clube. Se não é uma tentativa de
compra de eleitores, parece.
O
problema não é o benefício do Benfica em relação aos outros clubes, que têm
conquistado por seu lado isenções, perdões e benesses múltiplas -- de que o
centro de treinos do Futebol Clube do Porto, por exemplo, construído com
dinheiros públicos em Gaia, é um exemplo particularmente escandaloso. E não é um
problema porque o Sporting e todos os outros se irão mexer para conseguir o que
o Benfica agora conseguiu.
O problema é em relação a
todos os outros, a todos os que pagamos impostos. O que Costa diz é que é
aceitável não pagar impostos se se for rico, porque o Estado será benevolente
com estes prevaricadores. Qual será a posição de um eventual primeiro-ministro
António Costa em relação a paraísos fiscais? À evasão fiscal? E o que fará
António Costa em relação aos milhares de penhoras feitas e a fazer pela Autoridade
Tributária a todos os honestos trabalhadores que queriam pagar mas não
conseguiram pagar os seus impostos? Irá perdoar também estas dívidas como fez
ao Benfica? Ou só aos que deverem mais de um milhão como Ricardo Salgado? Qual
será o critério?
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