Ainda
há poucos dias, um artigo de opinião de João Camargo, deputado municipal na
Amadora pelo Bloco de Esquerda, com o título Amadora, terra sem lei, referia que naquele concelho “a única lei
que conta é a do mais forte” e que existe um “terror sem lei” fomentado pela Câmara
Municipal de maioria absoluta “socialista”, contra os mais fracos e indefesos. Porém,
há uma expressão ainda mais significativa que é aquela que refere a destruição
de “casas de pessoas que falaram publicamente” naquilo que se pode entender
como uma retaliação por parte do poder. É a institucionalização do medo para
fazer calar as pessoas ainda que muito atingidas e fragilizadas.
A
mesma ideia fica do artigo de opinião de Alberto Pinto Nogueira,
Procurador-geral adjunto, que transcrevemos do Público de hoje sobre o vexame a
que foram sujeitas trabalhadoras em hospitais, “coagidas” a “espremer as mamas
para provar que amamentam os filhos”. Neste caso é um magistrado que usa
expressões muito fortes como “estamos numa terra sem lei”, “a Constituição da República
não vigora”, “ Código do Trabalho está no arquivo dos hospitais”, “o Código Penal
é um adorno”, entre outras. No entanto, fica no ar a ideia de que, também aqui,
está criado um clima de medo que leva à não invocação das leis pelas “subalternas”
sabendo que “o posto de trabalho está sempre em risco”.
Perante
dois casos tão evidentes de abuso de poder, somos levados a pensar que estamos
no limiar de um Estado proto-fascista em que a lei em vigor é a do mais forte e
a democracia uma ideia sem significado.
Vale
a pena ler o texto seguinte.
O
PÚBLICO narrava um modelo de esquizofrenia controleira e policial sem limites.
Mulheres
coagidas em hospitais a espremer as mamas para provar que amamentam os
filhos. Suprema indignidade e humilhação. Às portas do 25 de Abril, chegámos
a isto. A atmosfera está irrespirável. Pesada. Até mães que amamentam filhos
são suspeitas de não o fazerem. Sem indícios alguns. Por serem mulheres e mães.
Não
é preciso derrubar uma biblioteca jurídico-laboral para sentir e saber que
jamais uma mulher pode ser coagida a tal obscenidade. Os hospitais acham que
sim. Invade-se, impunemente, a intimidade e pudor de uma mulher. O seu dever de
amamentar o filho. Menospreza-se a maternidade. Não se diz à trabalhadora, como
devia dizer-se, que a prova da amamentação se faz por declaração médica. Uma
vez, após o ano de vida do filho, como diz a lei. Opta-se pelo vexame. Com a
ameaça subjacente. Mesmo caindo na alçada penal, por ofensa à integridade
física. Há um ataque ao corpo de que as mamas são parte integrante. Estamos
numa terra sem lei. O exemplo vem muito lá de cima.
O
poder, qualquer que ele seja, veste a indumentária da autoritarite. Acoberta-se
nos abusos. Agride e humilha os fracos. Sempre com o mesmo pretexto: fraudes.
Com razão ou sem ela, suspeita de toda a gente.
Já
cá faltava mais esta. O Ministério da Saúde andou por aí a fabricar um “código
de ética”. Deve proteger enormidades destas. A disciplina no trabalho faz-se à
custa e à conta de humilhações das trabalhadoras dos hospitais. Vai fazer um
inquérito. Ficará tudo em casa. Foi lapso de quem manda nos estabelecimentos de
saúde. Não houve intenção de ofender. Só negligência.
De
degrau em degrau, assistimos ao abalroamento dos direitos individuais. Metem-se
em tudo. Nos cães e gatos domésticos. No que bebemos e não bebemos. Se fumamos
ou não fumamos. O fisco anda por aí a espalhar a nossa situação fiscal. Os
hospitais espreitam as mamas das enfermeiras, para se provar se amamentam os
filhos! O respeito e carinho pela maternidade cede à perseguição das
hierarquias. Um dia destes, regulamentam a vida mais íntima dos cidadãos. Para
o ajustamento. Na veneração da sacrossanta austeridade.
A
Constituição da República não vigora. Foi revogada. A reserva da vida privada e
intimidade já não constam dos direitos das mulheres. A protecção da maternidade
e paternidade esvoaçaram para um espaço sideral. Só no mundo que há-de vir. Se
e quando as contas e défices dos hospitais se saldarem positivos. Quando mais
uns milhares de enfermeiros emigrarem. Quando a “requalificação profissional”
der resultados visíveis. Até lá, vão espremendo mamas na mira de pouparem duas
horas por dia de amamentação. Humilhando as trabalhadoras e
mães.
O
Código do Trabalho está no arquivo dos hospitais. As normas que contém são substituídas
pela circular. A prova da amamentação não se faz com atestado médico. Faz-se
como quem manda quer. Por aviso directo às trabalhadoras. Espremendo mamas.
Mostrando que projectam leite materno. Como S. Tomé, querem ver leite a jorrar.
Na voragem probatória, as mães terão um dia de provar que o são.
O
Código Penal, que prevê e pune, ofensas ao corpo de outrem, é um adorno. Para
cumprir pelos outros. Legitima a ofensa a mulheres que amamentam os filhos.
Subalternos não invocam leis. O posto de trabalho está sempre em risco.
Não é só a ofensa à
maternidade. O que já é demais. Lá no fundo, está o trabalho que se pode pôr em
risco. Alimenta sujeição. Também a grave ofensa à intimidade da mulher. Direito
fundamental e que nada pode subverter. Mulheres que restam na "situação de
homeless".
Coagidas a exibir-se.
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