Jorge
Neto é advogado e um ex-deputado do PSD. Em artigo de opinião que assina hoje
no Público defende o exercício da função de deputado em dedicação exclusiva,
uma regra que deve ser aplicada tanto a juristas como a qualquer outra
profissão. Mas aquilo que o cidadão comum reclama é, sobretudo, uma lei clara
nesta matéria que não contenha “buracos” que dêem azo a excepções que protejam
os mais mal intencionados.
É
importante que seja um militante do PSD a defender a incompatibilidade de
qualquer profissão com as funções de deputado. O Bloco de Esquerda é talvez o
partido que mais se tem batido por esta causa, contrária ao statu quo existente
tão do agrado da maioria dos deputados da Assembleia da República, obviamente
por interesses que verdadeiramente não querem confessar.
Facilmente
se contestam as propostas do Bloco no sentido da exclusividade, apelidando este
partido de extremista e radical. Quando a vontade política é nenhuma esta é uma
arma de arremesso fácil.
De
qualquer maneira, o tempo começa a dar razão aos bloquistas como se pode
constatar no texto seguinte assinado por Jorge Neto.
Sobre
a discussão da (in)compatibilidade da profissão de advogado com as funções de
deputado surgem a terreiro as vozes daqueles que, exercendo funções de
representação parlamentar em Portugal e na Europa, procuram pressurosamente, e
sempre sob o manto diáfano do politicamente correto, manter o statu quo.
Não vá o diabo tecê-las e o novo estatuto poder vir a consagrar a proibição da
acumulação da advocacia com o exercício da função de deputado, como vem
defendendo, debalde e à outrance, a Ordem dos Advogados.
Honni
soit qui mal y pense…
Falemos
claro: esta é uma questão recorrente e os argumentos expendidos de um lado e de
outro da barricada são incontornavelmente os mesmos de há 20 anos a esta
parte: do lado dos proibicionistas joeira-se o arremesso da promiscuidade entre
política e negócios, enquanto do lado dos situacionistas aduz-se o letal
fundamento da funcionalização do deputado. Sem ademanes nem ditirambos de
certos arautos da nossa praça, defendo, sem pestanejar, que idealmente o
deputado deve exercer a sua nobre função em regime de exclusividade. Faço-o com
particular conhecimento de causa, atento facto de ter sido deputado durante dez
anos. E digo-o porque a dignidade, a especificidade e a responsabilidade da
função dificilmente serão compagináveis com o exercício em part time
do cargo. Não por razões erroneamente, mas amiúde invocadas de que o deputado
teria um permanente conflito de interesses por poder legislar à tarde o que de
manhã poderia concertar com o cliente. Não, não é por essa falsa razão.
Só
uma mente ignara, ou então uma percepção distorcida do papel do deputado e da
sua atuação colegial no Parlamento, submetido a uma férrea disciplina de voto
não raras vezes imposta pela direção política, é que pode lançar tal atoarda.
Agora o que não podemos é aceitar que a exclusividade da função de deputado se
aplique só aos advogados, sob pena de se criar o odioso sobre a profissão,
sujeita a uma menorização aos olhos dos cidadãos. A exclusividade do deputado,
a consagrar no estatuto do deputado, deve ser a regra relativamente a todas as
profissões, sejam elas as de advogado, médico, economista ou jornalista. Ou
será que estes estão imunes ao tráfico de influências, ao lobby e
à corrupção?
Neste
cenário imediatista ou de curto prazo, não devemos, contudo, cruzar os braços,
alterar umas minudências para enganar os incautos e no mais deixar tudo na
mesma.
Penso
que não. O cerne do debate deverá radicar, por ora, não na incompatibilidade da
acumulação, mas sim no reforço e escrutínio dos impedimentos, com uma alteração
específica do art. 83º, n.º 4, da proposta dos estatutos da Ordem dos
Advogados, em que expressamente se consagre que os advogados deputados da
Assembleia da República ou do Parlamento Europeu (porque não?) ficam impedidos
por si ou por intermédio de sociedades de que sejam sócios de celebrar
contratos de prestação de serviços jurídicos ou patrocinar ações em qualquer
foro contra ou a favor do Estado e outras pessoas colectivas de direito público
e, bem assim, sociedades de capitais maioritária ou exclusivamente públicos ou
concessionários de serviços públicos. A questão é séria, porque há o risco não
despiciendo de o advogado poder beneficiar do estatuto de deputado para
angariar clientela, não por força do mérito pessoal, mas pela circunstância da
função.
A
solução legislativa afigura-se simples e cirúrgica. Mas esperemos que não se
reedite a velha máxima do Leopardo de Lampedusa de que…"algo deve mudar
para que tudo continue como está".
A ver vamos…
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