quarta-feira, 1 de abril de 2015

EXCLUSIVIDADE DO DEPUTADO, UMA REGRA A IMPLEMENTAR PARA TODAS AS PROFISSÕES


Jorge Neto é advogado e um ex-deputado do PSD. Em artigo de opinião que assina hoje no Público defende o exercício da função de deputado em dedicação exclusiva, uma regra que deve ser aplicada tanto a juristas como a qualquer outra profissão. Mas aquilo que o cidadão comum reclama é, sobretudo, uma lei clara nesta matéria que não contenha “buracos” que dêem azo a excepções que protejam os mais mal intencionados.
É importante que seja um militante do PSD a defender a incompatibilidade de qualquer profissão com as funções de deputado. O Bloco de Esquerda é talvez o partido que mais se tem batido por esta causa, contrária ao statu quo existente tão do agrado da maioria dos deputados da Assembleia da República, obviamente por interesses que verdadeiramente não querem confessar.
Facilmente se contestam as propostas do Bloco no sentido da exclusividade, apelidando este partido de extremista e radical. Quando a vontade política é nenhuma esta é uma arma de arremesso fácil.
De qualquer maneira, o tempo começa a dar razão aos bloquistas como se pode constatar no texto seguinte assinado por Jorge Neto.
Sobre a discussão da (in)compatibilidade da profissão de advogado com as funções de deputado surgem a terreiro as vozes daqueles que, exercendo funções de representação parlamentar em Portugal e na Europa, procuram pressurosamente, e sempre sob o manto diáfano do politicamente correto, manter o statu quo. Não vá o diabo tecê-las e o novo estatuto poder vir a consagrar a proibição da acumulação da advocacia com o exercício da função de deputado, como vem defendendo, debalde e à outrance, a Ordem dos Advogados.
Honni soit qui mal y pense…
Falemos claro: esta é uma questão recorrente e os argumentos expendidos de um lado e de outro da barricada são incontornavelmente os mesmos de há 20 anos a esta parte: do lado dos proibicionistas joeira-se o arremesso da promiscuidade entre política e negócios, enquanto do lado dos situacionistas aduz-se o letal fundamento da funcionalização do deputado. Sem ademanes nem ditirambos de certos arautos da nossa praça, defendo, sem pestanejar, que idealmente o deputado deve exercer a sua nobre função em regime de exclusividade. Faço-o com particular conhecimento de causa, atento facto de ter sido deputado durante dez anos. E digo-o porque a dignidade, a especificidade e a responsabilidade da função dificilmente serão compagináveis com o exercício em part time do cargo. Não por razões erroneamente, mas amiúde invocadas de que o deputado teria um permanente conflito de interesses por poder legislar à tarde o que de manhã poderia concertar com o cliente. Não, não é por essa falsa razão.
Só uma mente ignara, ou então uma percepção distorcida do papel do deputado e da sua atuação colegial no Parlamento, submetido a uma férrea disciplina de voto não raras vezes imposta pela direção política, é que pode lançar tal atoarda. Agora o que não podemos é aceitar que a exclusividade da função de deputado se aplique só aos advogados, sob pena de se criar o odioso sobre a profissão, sujeita a uma menorização aos olhos dos cidadãos. A exclusividade do deputado, a consagrar no estatuto do deputado, deve ser a regra relativamente a todas as profissões, sejam elas as de advogado, médico, economista ou jornalista. Ou será que estes estão imunes ao tráfico de influências, ao lobby e à corrupção?
Neste cenário imediatista ou de curto prazo, não devemos, contudo, cruzar os braços, alterar umas minudências para enganar os incautos e no mais deixar tudo na mesma.
Penso que não. O cerne do debate deverá radicar, por ora, não na incompatibilidade da acumulação, mas sim no reforço e escrutínio dos impedimentos, com uma alteração específica do art. 83º, n.º 4, da proposta dos estatutos da Ordem dos Advogados, em que expressamente se consagre que os advogados deputados da Assembleia da República ou do Parlamento Europeu (porque não?) ficam impedidos por si ou por intermédio de sociedades de que sejam sócios de celebrar contratos de prestação de serviços jurídicos ou patrocinar ações em qualquer foro contra ou a favor do Estado e outras pessoas colectivas de direito público e, bem assim, sociedades de capitais maioritária ou exclusivamente públicos ou concessionários de serviços públicos. A questão é séria, porque há o risco não despiciendo de o advogado poder beneficiar do estatuto de deputado para angariar clientela, não por força do mérito pessoal, mas pela circunstância da função.
A solução legislativa afigura-se simples e cirúrgica. Mas esperemos que não se reedite a velha máxima do Leopardo de Lampedusa de que…"algo deve mudar para que tudo continue como está".
A ver vamos…
 

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