Este
Governo PSD/CDS será provavelmente aquele que mais tem contribuído para a degradação
da imagem da política e dos políticos. Assenta-lhe como uma luva a impressão de
que quem vai para a política é, em primeiro lugar, para tirar proveitos
pessoais assim como para familiares e amigos. Esta é uma ideia errada porque
generalizada a todos os políticos mas a verdade é que os partidos da
rotatividade do poder nada têm feito para a combater. Antes pelo contrário, a
toda a hora chegam ao conhecimento público exemplos que só contribuem para a
reforçar.
O
último, referido no texto seguinte que transcrevemos do Público de hoje (*),
tem a ver com o ex-presidente da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), Miguel
Seabra, professor catedrático da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade
Nova de Lisboa.
Recorde-se
que Miguel Seabra dirigiu a FCT desde 2012, concentrando em si uma enorme contestação
a partir do início de 2014 quando as políticas científicas do Governo levaram,
entre outras lamentáveis medidas, a uma redução drástica no número de bolsas individuais
de doutoramento e pós doutoramento.
A
linguagem utilizada no início do texto parece de difícil compreensão mas o essencial
percebe-se perfeitamente depois do 2º parágrafo.
Na
física quântica, há uma experiência mental muito conhecida chamada Gato de
Schrödinger, que o físico austríaco Erwin Schrödinger imaginou em 1935 para
ilustrar o estranho mundo das partículas. Dentro de uma caixa de aço, está um
gato, um frasco de veneno, um contador Geiger e uma amostra de uma substância
radioactiva. Ao fim de uma hora, pode haver – ou não – um átomo que tenha
decaído e libertado assim radioactividade. Se tal aconteceu, é accionado um
martelo, que parte o frasco e o veneno é libertado. Mas sem sabermos o que se
passa lá dentro, o gato, segundo as leis da mecânica quântica, coexiste em dois
estados ao mesmo tempo no interior da caixa, está vivo e está morto. Há uma
sobreposição de estados quânticos e só quando alguém abre a caixa e verifica o
que se passa no interior é que o gato assume um dos estados, e ou está vivo ou
está morto.
É
o paradoxo do Gato de Schrödinger que vem à memória quando se fica a saber o
nome do principal vencedor deste ano do Grande Prémio Bial de Medicina.
Miguel
Seabra é professor catedrático da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade
Nova de Lisboa (UNL), onde se licenciou em medicina em 1986. O doutoramento, em
bioquímica e biologia molecular, foi em 1992 na Universidade do Texas, nos
Estados Unidos. Daí partiu em 1997 para Londres, para o Imperial College.
Tem-se pois dedicado à investigação médica há vários anos. Até ao início de
2012, dirigiu o Centro de Estudos de Doenças Crónicas da Faculdade de Ciências
Médicas da UNL.
Desde
Janeiro de 2012 e até esta terça-feira, quando a sua demissão foi anunciada,
assumiu a presidência da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), a
principal instituição pública que financia o sistema científico do país,
tutelada pelo Ministério da Educação e Ciência. É o seu braço na aplicação das
políticas científicas. Tem por missão desenvolver, avaliar e financiar o
sistema científico português. Assim, a FCT financia projectos de investigação,
bem como equipamentos científicos e bolsas de doutoramento e pós-doutoramento.
Em suma, como diz o decreto-lei que define a sua missão, compete-lhe “a
coordenação das políticas públicas de ciência e tecnologia”. Políticas que, no
actual Governo, e com Miguel Seabra na FCT, têm passado por cortes nas bolsas
de doutoramento e pós-doutoramento e por uma avaliação de credibilidade
duvidosa aos centros de investigação do país.
É
por isso, no mínimo, surpreendente Miguel Seabra ter-se candidatado a um prémio
de investigação científica enquanto ocupava a presidência da FCT. Tal como o
Gato de Schrödinger existe paradoxalmente ao mesmo tempo em dois estados,
Miguel Seabra colocou-se numa sobreposição de lugares: era gestor
político, que coordenava as políticas públicas de ciência e tecnologia, e ao
mesmo tempo cientista que concorreu a um prémio com a sua própria investigação
científica.
Não
está em causa o mérito do seu trabalho científico, nem do seu currículo como
investigador, nem do júri que avaliou tudo isso, nem da Fundação Bial que
atribuiu o prémio. Vamos pensar que foi o melhor trabalho a concurso, entre os
36 que concorreram, e que merecia vencer. Mas, ao candidatar-se ao Grande
Prémio Bial de Medicina na qualidade de investigador enquanto era presidente da
FCT, Miguel Seabra começou por colocar os membros do júri, também cientistas,
de diversas universidades, numa situação estranha. Cientistas que são avaliados
e financiados pela fundação presidida por Miguel Seabra. Tal como colocou numa
situação incómoda a Fundação Bial (criada pelos Laboratórios Bial e pelo Conselho
de Reitores das Universidades Portuguesas), até porque no regulamento do prémio
nada há que impeça a candidatura de quem ocupe um cargo de gestão da política
científica do país. Mas, principalmente, pôs-se a ele próprio num lugar ainda
mais estranho. Digamos que há um certo paradoxo ético.
Se
Miguel Seabra já estava debaixo de fogo enquanto responsável pela gestão da
ciência portuguesa, esta candidatura ao prémio vem deixá-lo ainda mais
chamuscado.
(*) Teresa Firmino
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