quarta-feira, 8 de abril de 2015

BENEFÍCIOS PESSOAIS


Este Governo PSD/CDS será provavelmente aquele que mais tem contribuído para a degradação da imagem da política e dos políticos. Assenta-lhe como uma luva a impressão de que quem vai para a política é, em primeiro lugar, para tirar proveitos pessoais assim como para familiares e amigos. Esta é uma ideia errada porque generalizada a todos os políticos mas a verdade é que os partidos da rotatividade do poder nada têm feito para a combater. Antes pelo contrário, a toda a hora chegam ao conhecimento público exemplos que só contribuem para a reforçar.
O último, referido no texto seguinte que transcrevemos do Público de hoje (*), tem a ver com o ex-presidente da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), Miguel Seabra, professor catedrático da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa.
Recorde-se que Miguel Seabra dirigiu a FCT desde 2012, concentrando em si uma enorme contestação a partir do início de 2014 quando as políticas científicas do Governo levaram, entre outras lamentáveis medidas, a uma redução drástica no número de bolsas individuais de doutoramento e pós doutoramento.
A linguagem utilizada no início do texto parece de difícil compreensão mas o essencial percebe-se perfeitamente depois do 2º parágrafo.
Na física quântica, há uma experiência mental muito conhecida chamada Gato de Schrödinger, que o físico austríaco Erwin Schrödinger imaginou em 1935 para ilustrar o estranho mundo das partículas. Dentro de uma caixa de aço, está um gato, um frasco de veneno, um contador Geiger e uma amostra de uma substância radioactiva. Ao fim de uma hora, pode haver – ou não – um átomo que tenha decaído e libertado assim radioactividade. Se tal aconteceu, é accionado um martelo, que parte o frasco e o veneno é libertado. Mas sem sabermos o que se passa lá dentro, o gato, segundo as leis da mecânica quântica, coexiste em dois estados ao mesmo tempo no interior da caixa, está vivo e está morto. Há uma sobreposição de estados quânticos e só quando alguém abre a caixa e verifica o que se passa no interior é que o gato assume um dos estados, e ou está vivo ou está morto.
É o paradoxo do Gato de Schrödinger que vem à memória quando se fica a saber o nome do principal vencedor deste ano do Grande Prémio Bial de Medicina.
Miguel Seabra é professor catedrático da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa (UNL), onde se licenciou em medicina em 1986. O doutoramento, em bioquímica e biologia molecular, foi em 1992 na Universidade do Texas, nos Estados Unidos. Daí partiu em 1997 para Londres, para o Imperial College. Tem-se pois dedicado à investigação médica há vários anos. Até ao início de 2012, dirigiu o Centro de Estudos de Doenças Crónicas da Faculdade de Ciências Médicas da UNL.
Desde Janeiro de 2012 e até esta terça-feira, quando a sua demissão foi anunciada, assumiu a presidência da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), a principal instituição pública que financia o sistema científico do país, tutelada pelo Ministério da Educação e Ciência. É o seu braço na aplicação das políticas científicas. Tem por missão desenvolver, avaliar e financiar o sistema científico português. Assim, a FCT financia projectos de investigação, bem como equipamentos científicos e bolsas de doutoramento e pós-doutoramento. Em suma, como diz o decreto-lei que define a sua missão, compete-lhe “a coordenação das políticas públicas de ciência e tecnologia”. Políticas que, no actual Governo, e com Miguel Seabra na FCT, têm passado por cortes nas bolsas de doutoramento e pós-doutoramento e por uma avaliação de credibilidade duvidosa aos centros de investigação do país.
É por isso, no mínimo, surpreendente Miguel Seabra ter-se candidatado a um prémio de investigação científica enquanto ocupava a presidência da FCT. Tal como o Gato de Schrödinger existe paradoxalmente ao mesmo tempo em dois estados, Miguel Seabra colocou-se numa sobreposição de lugares: era gestor político, que coordenava as políticas públicas de ciência e tecnologia, e ao mesmo tempo cientista que concorreu a um prémio com a sua própria investigação científica.
Não está em causa o mérito do seu trabalho científico, nem do seu currículo como investigador, nem do júri que avaliou tudo isso, nem da Fundação Bial que atribuiu o prémio. Vamos pensar que foi o melhor trabalho a concurso, entre os 36 que concorreram, e que merecia vencer. Mas, ao candidatar-se ao Grande Prémio Bial de Medicina na qualidade de investigador enquanto era presidente da FCT, Miguel Seabra começou por colocar os membros do júri, também cientistas, de diversas universidades, numa situação estranha. Cientistas que são avaliados e financiados pela fundação presidida por Miguel Seabra. Tal como colocou numa situação incómoda a Fundação Bial (criada pelos Laboratórios Bial e pelo Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas), até porque no regulamento do prémio nada há que impeça a candidatura de quem ocupe um cargo de gestão da política científica do país. Mas, principalmente, pôs-se a ele próprio num lugar ainda mais estranho. Digamos que há um certo paradoxo ético.
Se Miguel Seabra já estava debaixo de fogo enquanto responsável pela gestão da ciência portuguesa, esta candidatura ao prémio vem deixá-lo ainda mais chamuscado.
(*) Teresa Firmino

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