O
sociólogo Boaventura Sousa Santos que acaba de participar no Fórum Social
Mundial de 2015 realizado na Tunísia afirmava há poucos dias que o “imperialismo
norte-americano está apostado em destruir o Governo Dilma e tem aliados
internos”. Mas o pior de tudo é que, neste momento o Brasil apresenta condições
para ser destabilizado.
É
neste contexto que devemos inserir as manifestações de 15 de Março, até porque
faz pouco sentido tamanha contestação a Dilma Russeff tendo sido ela reeleita
há bem pouco tempo quando venceu na segunda volta o candidato conservador Aécio
Neves.
Goste-se
ou não, “foi a escolha democrática dos eleitores, e as escolhas feitas em
eleições livres, justas e transparentes são para se respeitar” como afirma a
politóloga Ana Rita Ferreira em artigo de opinião no Público de ontem
(2/4/2015).
No
passado dia 15 de Março, o Brasil presenciou uma das maiores manifestações da
sua história democrática — embora as diferentes contagens dos números de
participantes sejam tão díspares que se torne difícil afirmá-lo com total
clareza (por exemplo, a polícia diz que terão estado cerca de um milhão de
pessoas nas ruas de São Paulo nesse protesto, mas o centro Datafolha, que não
tem fama de ser esquerdista, aponta para um número muito menor, dizendo terem
sido menos de 300 mil os manifestantes nessa cidade).
Mas
vamos imaginar que o número de participantes não seria aqui importante — embora
fosse essencial conhecermos a real dimensão dos protestos — e vamos antes
centrar-nos nos motivos que espoletaram esta manifestação. Os protestos
foram-nos sendo apresentados como anti-Dilma, anticorrupção, anticomunista,
pró-intervenção militar, pró impeachment…
Tudo isto é confuso e, no entanto, tudo isto foi verdadeiro. Esta manifestação
não teve uma razão coerente na sua raiz a unir os manifestantes. Mas, ainda
assim, foi possível detectar tendências generalizadas que subjaziam aos vários
argumentos: um sentimento de ódio em relação ao Partido dos Trabalhadores (PT)
e um sentimento antidemocrático. E ambos são preocupantes.
Dilma
Roussef foi reeleita Presidente do Brasil em Outubro, vencendo, na segunda
volta eleitoral, Aécio Neves, do Partido da Social Democracia Brasileira
(PSDB), naquela que foi a quarta vitória consecutiva do PT em eleições
presidenciais, num ciclo que tinha começado com a primeira vitória de Lula da
Silva, em 2002. Uma vez que, no sistema presidencialista que o Brasil adopta, o
Presidente é o titular do poder executivo, esta nova vitória “petista”
significa que o centro-esquerda brasileiro, agora representado pelo PT, foi
democraticamente escolhido para ocupar o governo durante, pelo menos, 16 anos —
até ao fim do presente mandato de Dilma, que terminará em 2018. E significa,
consequentemente, que o centro-direita, hoje identificado com o PSDB e
habituado a ocupar o poder no passado, continuará arredado durante este longo
período. Foi a escolha democrática dos eleitores, e as escolhas feitas em
eleições livres, justas e transparentes são para se respeitar.
Por
isso, a ideia expressa por alguns manifestantes de que uma permanência tão
longa no poder pode ser prejudicial à democracia é, ela sim, profundamente
anti-democrática: é aos eleitores que cabe fazer essa avaliação e a maioria
expressou outra opinião nas urnas — e expressou-a há poucos meses. A direita
política e os sectores sociais que a apoiam têm todo o direito de ficar
desgostosos com a decisão eleitoral, mas não podem pedir a intervenção dos
militares para destituir, através de um golpe, uma Presidente recém-empossada.
Muitos o fizeram na manifestação de 15 de Março — por ódio ao PT e por falta de
sentido democrático.
Por
outro lado, é certo que os governos “petistas” foram abalados por escândalos de
corrupção recentes. O escândalo do “mensalão”, durante a presidência de Lula, e
agora a operação Lava Jato,
ligada à Petrobras, envolvem figuras de topo do partido. Sabe-se, no entanto,
que a corrupção não se restringe ao PT, mas é um problema transversal na
sociedade brasileira e afecta particularmente o PSDB, seu opositor mais
directo. Tem sido até nestes anos de executivos do PT que a corrupção tem sido
mais fortemente combatida e o endurecimento dessa luta foi mesmo uma das
promessas eleitorais de Dilma.
Neste
contexto, a ideia de impeachment não
tem qualquer base legal e seria um mero golpe constitucional. Este mecanismo é
a única forma de, num sistema presidencialista, o Parlamento poder votar a
destituição do Presidente. Mas, para que a possibilidade seja sequer levantada,
é necessário que o Presidente tenha cometido um crime. Dilma, que foi
presidente do conselho de administração da Petrobras no passado, não está,
porém, indiciada de qualquer crime, pelo que clamar pelo impeachment também só se explica devido à
pouca preocupação democrática e à revolta que alguns sectores sociais e
económicos desenvolveram contra o PT. Esta revolta deve-se em grande medida à
linha política dos governos “petistas”: as políticas sociais que tiraram
milhões de brasileiros da miséria, longe de serem comunistas, são, ainda assim,
uma afronta a uma classe média profundamente conservadora.
Preparam-se manifestações
idênticas. Provavelmente assistiremos aos mesmos insultos machistas contra
Dilma, aos inacreditáveis bonecos de vudu com as figuras de Lula e Dilma, aos
mesmos pedidos de um golpe militar ou impeachment.
Tudo isto é grave numa democracia jovem como a brasileira. Seria bom que os
partidos de direita, apesar das divergências ideológicas que têm com o PT,
contrariassem esta tensão crescente – porque, neste momento, atiçar o ódio
contra um partido estruturante da democracia brasileira é apoiar tacitamente
estratégias anti-democráticas. E todos sabemos como estes movimentos costumam
acabar.
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