sexta-feira, 3 de abril de 2015

O BRASIL NA MIRA DO IMPERIALISMO NORTE-AMERICANO


O sociólogo Boaventura Sousa Santos que acaba de participar no Fórum Social Mundial de 2015 realizado na Tunísia afirmava há poucos dias que o “imperialismo norte-americano está apostado em destruir o Governo Dilma e tem aliados internos”. Mas o pior de tudo é que, neste momento o Brasil apresenta condições para ser destabilizado.
É neste contexto que devemos inserir as manifestações de 15 de Março, até porque faz pouco sentido tamanha contestação a Dilma Russeff tendo sido ela reeleita há bem pouco tempo quando venceu na segunda volta o candidato conservador Aécio Neves.
Goste-se ou não, “foi a escolha democrática dos eleitores, e as escolhas feitas em eleições livres, justas e transparentes são para se respeitar” como afirma a politóloga Ana Rita Ferreira em artigo de opinião no Público de ontem (2/4/2015).
No passado dia 15 de Março, o Brasil presenciou uma das maiores manifestações da sua história democrática — embora as diferentes contagens dos números de participantes sejam tão díspares que se torne difícil afirmá-lo com total clareza (por exemplo, a polícia diz que terão estado cerca de um milhão de pessoas nas ruas de São Paulo nesse protesto, mas o centro Datafolha, que não tem fama de ser esquerdista, aponta para um número muito menor, dizendo terem sido menos de 300 mil os manifestantes nessa cidade).
Mas vamos imaginar que o número de participantes não seria aqui importante — embora fosse essencial conhecermos a real dimensão dos protestos — e vamos antes centrar-nos nos motivos que espoletaram esta manifestação. Os protestos foram-nos sendo apresentados como anti-Dilma, anticorrupção, anticomunista, pró-intervenção militar, pró impeachment… Tudo isto é confuso e, no entanto, tudo isto foi verdadeiro. Esta manifestação não teve uma razão coerente na sua raiz a unir os manifestantes. Mas, ainda assim, foi possível detectar tendências generalizadas que subjaziam aos vários argumentos: um sentimento de ódio em relação ao Partido dos Trabalhadores (PT) e um sentimento antidemocrático. E ambos são preocupantes.
Dilma Roussef foi reeleita Presidente do Brasil em Outubro, vencendo, na segunda volta eleitoral, Aécio Neves, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), naquela que foi a quarta vitória consecutiva do PT em eleições presidenciais, num ciclo que tinha começado com a primeira vitória de Lula da Silva, em 2002. Uma vez que, no sistema presidencialista que o Brasil adopta, o Presidente é o titular do poder executivo, esta nova vitória “petista” significa que o centro-esquerda brasileiro, agora representado pelo PT, foi democraticamente escolhido para ocupar o governo durante, pelo menos, 16 anos — até ao fim do presente mandato de Dilma, que terminará em 2018. E significa, consequentemente, que o centro-direita, hoje identificado com o PSDB e habituado a ocupar o poder no passado, continuará arredado durante este longo período. Foi a escolha democrática dos eleitores, e as escolhas feitas em eleições livres, justas e transparentes são para se respeitar.
Por isso, a ideia expressa por alguns manifestantes de que uma permanência tão longa no poder pode ser prejudicial à democracia é, ela sim, profundamente anti-democrática: é aos eleitores que cabe fazer essa avaliação e a maioria expressou outra opinião nas urnas — e expressou-a há poucos meses. A direita política e os sectores sociais que a apoiam têm todo o direito de ficar desgostosos com a decisão eleitoral, mas não podem pedir a intervenção dos militares para destituir, através de um golpe, uma Presidente recém-empossada. Muitos o fizeram na manifestação de 15 de Março — por ódio ao PT e por falta de sentido democrático.
Por outro lado, é certo que os governos “petistas” foram abalados por escândalos de corrupção recentes. O escândalo do “mensalão”, durante a presidência de Lula, e agora a operação Lava Jato, ligada à Petrobras, envolvem figuras de topo do partido. Sabe-se, no entanto, que a corrupção não se restringe ao PT, mas é um problema transversal na sociedade brasileira e afecta particularmente o PSDB, seu opositor mais directo. Tem sido até nestes anos de executivos do PT que a corrupção tem sido mais fortemente combatida e o endurecimento dessa luta foi mesmo uma das promessas eleitorais de Dilma.
Neste contexto, a ideia de impeachment não tem qualquer base legal e seria um mero golpe constitucional. Este mecanismo é a única forma de, num sistema presidencialista, o Parlamento poder votar a destituição do Presidente. Mas, para que a possibilidade seja sequer levantada, é necessário que o Presidente tenha cometido um crime. Dilma, que foi presidente do conselho de administração da Petrobras no passado, não está, porém, indiciada de qualquer crime, pelo que clamar pelo impeachment também só se explica devido à pouca preocupação democrática e à revolta que alguns sectores sociais e económicos desenvolveram contra o PT. Esta revolta deve-se em grande medida à linha política dos governos “petistas”: as políticas sociais que tiraram milhões de brasileiros da miséria, longe de serem comunistas, são, ainda assim, uma afronta a uma classe média profundamente conservadora.
Preparam-se manifestações idênticas. Provavelmente assistiremos aos mesmos insultos machistas contra Dilma, aos inacreditáveis bonecos de vudu com as figuras de Lula e Dilma, aos mesmos pedidos de um golpe militar ou impeachment. Tudo isto é grave numa democracia jovem como a brasileira. Seria bom que os partidos de direita, apesar das divergências ideológicas que têm com o PT, contrariassem esta tensão crescente – porque, neste momento, atiçar o ódio contra um partido estruturante da democracia brasileira é apoiar tacitamente estratégias anti-democráticas. E todos sabemos como estes movimentos costumam acabar.

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