Em
cada comemoração do Dia da Liberdade, especialmente os mais velhos, procuramos sempre
algo de inédito que ainda desconhecemos sobre a nossa história recente
relacionada com a institucionalização da democracia em Portugal. Com o passar
do tempo vai sendo cada vez mais difícil descobrirmos imagens ou textos ligados
a acontecimentos que marcaram os últimos 41 anos de vida do nosso país.
Não
vamos apresentar hoje aqui qualquer documento inédito mas uma reflexão recente
(*) e muito interessante que tivemos a sorte de encontrar no Diário de Coimbra de há três dias e que
retrata o que está a sentir a geração que viveu a euforia e a esperança nascidas
da Revolução dos Cravos e projectadas no actual desencanto.
Para
os homens e mulheres da minha geração é inevitável falar nesta altura do 25 de
Abril de 74. Os acontecimentos a que assistimos e os momentos que vivemos foram
de tal maneira intensos, importantes e únicos que ficaram para sempre a latejar
na nossa memória e a marcar as nossas vidas.
A questão é que não imaginávamos que esse dia
se iria tornar uma simples recordação. Pensávamos que ele nunca mais acabava e
que seria um dia de muitos anos, sem noites nem negrumes. Ingenuamente
acreditávamos que os cravos não morriam e confiámos que o tempo estava a nosso
favor. Cheios de ilusões tínhamos a certeza de que o essencial estava
assegurado e que não havia cinismo capaz de dar cabo da esperança que nos
invadira.
Grandes
esperanças e grandes expectativas eram companheiras diárias até que, pouco a
pouco fomos percebendo que havia quem se divertia com a nossa ingenuidade e
utopia. Não sabíamos bem o que se estava a passar mas pressentíamos um inimigo
silencioso que nos ia desgastando e encaminhando para uma viela tortuosa e
sombria fazendo-nos acreditar que aquele era o caminho que nos levaria à grande
avenida dos jacarandás floridos e sobretudo o único caminho possível.
E
um dia descobrimos que nos tinham feito andar em círculo e que por pouco não estávamos
a voltar ao círculo da partida. Souberam convencer que éramos ricos de pobreza,
que trabalhávamos pouco e mal e que a redenção estava no trabalho precário e
mal pago. Criaram uma farta bolsa de desempregados para o recrutamento fácil e
sem direitos. E, até assistimos, no meio de tudo isto, ao aplauso de tantos que
não perceberam que eram eles o verdadeiro alvo desta sociedade do futuro sem
futuro.
Com
inteligência perversa e com conivência prostituta de alguns, foram inculpando a
política por todos os males enquanto engordavam as suas contas na Suíça ou em
offshores exóticos. E até criaram uns políticos obedientes e venerandos, uns
verdadeiros placebos do sistema, cuja realização pessoal se resume à “honra” de
uma fotografia nos jornais ou a umas imagens de televisão.
Hoje
estamos mais desiguais do que já fomos, mais pobres do que já fomos, menos
independentes do que já fomos e menos solidários do que já fomos. Ganhámos em insegurança
e perdemos em esperança, tendo assistido à renúncia, quase generalizada, do
heroísmo ideológico que nos alimentou e nos dava a convicção de que era
possível um país melhor e uma sociedade mais justa.
Chegados
aqui percebemos que os anos e a erosão de valores, da ética, do sentido de
serviço público nos colocaram frequentemente no sofá a fazer zapping para saber
o preço do crude ou o movimento no Dow Jones, no Nasdak, no CAC, no Nikkei, no
Dax, etc., porque é aí que está o real jogo do futuro.
Sobre
Abril já se diz: Era uma vez…
(*) João
Silva
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