Os exemplos de boas práticas que vêm de
fora devem ser sempre matéria de reflexão no sentido de poderem ser aplicadas
em Portugal.
Como bem sabemos, a prostituição feminina é
criminalizada em muitos países e o alvo são as mulheres que se dedicam a essa
prática da venda de sexo. Na verdade, nada justifica que esta situação se
mantenha pois, como muito bem entende o movimento feminista sueco, “a venda de
sexo é sempre uma forma de agressão” o que leva a que a situação se deva
colocar ao contrário, ou seja, criminalizar o comprador.
Segundo afirma Ana Cristina Pereira no
seguinte artigo de opinião que transcrevemos do “Público” deste domingo, esta
concepção do movimento feminista sueco tem “vindo a ser exportada” e, entendemos
nós, merece mais divulgação do que aquela que tem tido até agora.
Chamava-se Eva-Marree, mas eu conhecia-a
como Petite Jasmine num luxuoso hotel de Estocolmo. Circulava nesse meio
exclusivo. Bastava-lhe trabalhar duas ou três vezes por mês. Cobrava 450 euros
por hora. “Nada mau.”
Anunciava os seus serviços num blogue chamado Njutning till Salu,
traduzível por “prazer à venda”. Era lá que a abordavam. “Se me agrada, falo
por email, por telefone. Só depois marco um encontro. O primeiro é
sempre num local público.”
Essa estratégia, que antecedia a decisão
final de avançar ou não avançar, também a ajudava a despistar a Unidade de
Prostituição. Nunca sabia se havia algum elemento a observá-la. Podia ser
seguida até entrar no quarto ou surpreendida já no acto. E o cliente teria de
dizer algo convincente.
O sistema legal da Suécia assume que quem compra sexo é
sempre um agressor e que quem vende sexo é sempre uma vítima, mesmo que o faça
de livre vontade. Nem reconhece tal vontade
como autêntica. “Algo aconteceu com elas”, disse-me a então
procuradora-geral adjunta Lise Tamm.
A ideia de que a compra e venda de sexo
é sempre uma forma de agressão despontou no seio do movimento feminista sueco e
tem vindo a ser exportada, ainda que com diferentes nuances. Outra vertente do
feminismo, mais assente na liberdade de decidir sobre o próprio corpo, resultou
em políticas bem diferentes, por exemplo, na Alemanha, onde a venda de sexo
está regulada como qualquer trabalho. Portugal está no meio. Ignora adultos que
compram sexo a adultos, desde que estes o vendam de livre vontade. Criminaliza,
sim, quem se meter no meio para ganhar dinheiro.
Quando a conheci, no princípio do Outono
de 2011, Petite Jasmine não poupou críticas ao modelo sueco. A atenção foca-se
na segurança do cliente. E aumenta o preconceito. Nada a enfurecia mais do que
o efeito disso no exercício das responsabilidades parentais. “Legitima-se a
ideia de que uma pessoa não pode ser boa mãe e trabalhadora do sexo ao mesmo
tempo.”
Falava por experiência. Batia-se pela
guarda dos filhos, uma menina de três anos e um menino de dois. Não os via
havia três meses. Mal soubera o que ela andava a fazer, o pai deles alertara os
serviços sociais. Primeiro, os serviços viram-na como “uma vítima”. Tentaram
“salvá-la”. Como ela recusou esse papel, disseram-lhe que estava “a
romantizar”, que tinha uma “falsa consciência”, que não percebia o dano que
estava a causar a si própria. Em poucas horas, tiraram-lhe as crianças e
entregaram-nas ao ex, apesar de antes lhe terem dito que o deixasse, porque era
agressivo. O tribunal optou pela guarda partilhada.
Quando a conheci, ela estava à espera
que a decisão judicial fosse cumprida. Só agora soube que isso nunca chegou a
acontecer. E que o ex-namorado acabou por matá-la no dia 11 de Julho de 2013. O
jornalismo tem destas coisas. Vamos conhecendo pessoas com as quais por vezes
falámos sobre os assuntos mais íntimos e nunca mais as voltamos a ver.
A propósito do Dia
Internacional Contra a Violência Sobre Trabalhadores do Sexo, que se assinala
no dia 17 de Dezembro, a secretária-geral da Plataforma Portuguesa para os
Direitos das Mulheres, Ana Sofia Fernandes, deu uma entrevista à TSF
a defender a criminalização dos clientes. E eu lembrei-me dela.
Quando ouço alguém dizer
que o modelo sueco protege as pessoas que vendem serviços sexuais, lembro-me
sempre da Petite Jasmine e da Pye Jakobsson, líder da Rose
Alliance, uma associação de trabalhadores do sexo a que ela se juntara. Para
esta última, o grande resultado disso também era o reforço do estigma, “a pior
violência”. A actividade entrou na clandestinidade: quem está na rua tem
pouquíssimo tempo para avaliar um cliente antes de entrar no carro; quem atende
num apartamento é despejado mal o senhorio descobre; ninguém pode partilhar um
espaço para receber clientes.
Alexandra Oliveira, professora da Faculdade de Psicologia
e Ciências da Educação da Universidade do Porto que estuda esta
matéria, é que me deu a notícia. “É considerada a primeira vítima do modelo
sueco.”
Numa entrevista publicada
num blogue dedicado ao trabalho sexual, Pye conta que o ex-companheiro de
Petite Jasmine foi arranjando entraves para evitar cumprir a decisão judicial.
Houve outras decisões semelhantes. À quarta, alegando que as crianças já não
estavam habituadas à mãe, o tribunal optou por atribuir guarda exclusiva ao
pai. Ela teria visitas.
Petite
Jasmine recorreu ao Supremo Tribunal. E, no Verão de 2013, ia por fim voltar a
estar com os filhos, ainda que na presença de um trabalhador social, que a
ajudaria a reaproximar-se deles. Encontrou-se com a menina. Ia encontrar-se com
o menino. Cruzaram-se no autocarro. Começaram a discutir. O ex acabou por
matá-la e por esfaquear a assistente social.
Era um homicídio semelhante a muitos dos que ocorrem num
contexto de violência doméstica. Ao que tem dito Pye, o ex-namorado já a
perseguira e ameaçara várias vezes. Com uma diferença: ele sentia-se legitimado
na sua acção e ela sentia que não podia dizer à polícia que estava a ser
perseguida e ameaçada pelo pai dos filhos dela por fazer o que fazia.
Queixou-se aos serviços sociais, que acabaram por testemunhar em seu favor no
processo de regulação de responsabilidades parentais. Agora, é um ícone de quem
pede a descriminalização.
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